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A teoria do valor-trabalho ainda assombra a humanidade e segue causando estragos

Se essa falácia for compreendida, toda a ideia de “exploração capitalista” é derrubada

Por que muitos alunos acreditam merecer notas boas por um trabalho (escolar ou acadêmico) em que gastaram muito tempo fazendo? Para eles, o parâmetro não está na qualidade do trabalho, mas sim no total de horas empenhadas em sua consecução.

Essa confusão fundamental sobre o valor do trabalho é o cerne da crítica marxista ao capitalismo.

O centro de tudo

Por milhares de anos, os seres humanos acreditaram que a terra era o centro do universo, e que o sol girava em torno dela. Com o advento das pesquisas sistemáticas, os cientistas passaram a desenvolver explicações crescentemente complexas sobre o porquê de suas observações do universo não baterem com essa hipótese. Quando Copérnico e outros ofereceram uma explicação alternativa que realmente era capaz de explicar os fatos observados, e o fizeram de maneira clara e concisa, o modelo heliocêntrico triunfou.  A revolução copernicana mudou a ciência para sempre.

Nas ciências econômicas, há uma história similar. Por centenas de anos, vários economistas acreditaram que o valor de um bem dependia do custo de se produzi-lo. Em particular, vários seguiam a ‘teoria do valor-trabalho’, segundo a qual o valor de um bem era determinado pela “quantidade de trabalho socialmente necessário” para a sua fabricação.

Por exemplo, se a produção de um par de sapatos consumiu quatro horas de trabalho, e se são necessárias duas horas de trabalho para preparar e assar um bolo, então a “taxa de câmbio” justa entre essas duas mercadorias deveria ser a de um par de sapatos por dois bolos. Dessa maneira, esses dois bens seriam trocados a uma taxa que representa quantidades comparáveis do tempo de trabalho gasto para produzi-los.

Assim como a visão geocêntrica do universo, a teoria do valor-trabalho tinha, superficialmente, alguma plausibilidade — afinal, com alguma freqüência, bens que demandam mais trabalho para ser produzidos possuem mais valor. 

No entanto, assim como a história da astronomia, a teoria foi se tornando cada vez mais complicada à medida que tentava explicar algumas objeções óbvias. Por exemplo, um homem pode gastar centenas de horas fazendo sorvetes de lama ou cavando buracos, mas se ninguém atribuir qualquer serventia a estes sorvetes de lama ou a estes buracos — e, portanto, não os valorizar o suficiente para pagar alguma coisa por eles —, então tais produtos não têm nenhum valor, não obstante as centenas de horas gastas em sua fabricação.

Começando na década de 1870, a ciência econômica vivenciou a sua própria versão da revolução copernicana, uma vez que a teoria do valor subjetivo se tornou a explicação preferida para o valor dos bens e serviços.

Como será demonstrado mais abaixo, o valor de um bem não deriva da quantidade de trabalho despendida em sua fabricação. O valor de um bem é subjetivo: depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém confere a ele (seja uma mercadoria ou um serviço).  Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.

Hoje, a teoria do valor-trabalho possui apenas um minúsculo número de seguidores entre os economistas profissionais, mas permanece extremamente popular em outras disciplinas acadêmicas, quando elas resolvem discutir assuntos econômicos. Permanece também bastante popular entre o público em geral. (Entre os estudantes, a teoria do valor-trabalho, como observado acima, é extremamente popular para balizar notas de monografias acadêmicas e trabalhos escolares).

O fantasma de Karl Marx (e de Adam Smith)

Um dos motivos de a teoria do valor-trabalho ainda ser a explicação favorita de várias outras disciplinas se deve ao fato de elas recorrerem ao mais famoso defensor desta teoria para utilizá-lo como base de seus estudos econômicos: Karl Marx.

Mas Marx não foi o único economista a seguir esta teoria. Tampouco a teoria do valor-trabalho era adotada exclusivamente por socialistas. Adam Smith também acreditava em uma versão mais branda desta teoria.

Para Marx, a teoria do valor-trabalho estava no centro de sua visão a respeito dos problemas do capitalismo. O argumento de que o capitalismo explorava os trabalhadores dependia crucialmente da ideia de que o trabalho era a fonte de todo o valor, e que, consequentemente, os lucros dos capitalistas eram “tomados” dos trabalhadores, que mereciam ficar com o valor daquilo que produziram.

Se o trabalho de um operário produziu três pares de sapatos durante uma jornada de trabalho de doze horas, então, para Marx, o trabalhador tem o direito ao valor destes três pares de sapatos produzidos pelo seu trabalho. Contudo, o capitalista que contratou o trabalhador não lhe paga um salário igual ao valor dos três pares de sapatos que este produziu. Isso ocorre, segundo Marx, simplesmente porque o capitalista é o proprietário da fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas são a propriedade privada que o trabalhador utilizou para produzir esses sapatos). 

O empregador paga ao trabalhador um salário somente igual a, digamos, dois pares de sapatos, desta forma “roubando” uma parte do valor do seu trabalho.

Todo esse conceito de ‘alienação’ desenvolvido por Max se baseava no fato de que é o trabalho o que nos torna humanos e de que foi o capitalismo quem destruiu nossa capacidade de ter alegria em nosso trabalho e de controlar as condições nas quais criamos valor.

Sem a teoria do valor-trabalho, não está claro como a crítica de Marx ao capitalismo continuaria válida.

Parte do problema, para Marx e para todos os outros que aceitaram a teoria do valor-trabalho, é que havia tantos furos óbvios nesta teoria do valor-trabalho, que eles tiveram de construir explicações cada vez mais complexas para lidar com cada uma das objeções.

Por exemplo, como a teoria do valor-trabalho explica o valor dos recursos naturais? Como ela explica o valor de um lote de terra? Como ela explica o valor de grandes obras de arte que foram produzidas com uma pequena quantidade de trabalho, mas que alcançavam preços extremamente altos?

E o que dizer das diferenças de habilidade entre os indivíduos, o que significa que cada um deles gastaria tempos distintos para produzir o mesmo bem, com a mesma qualidade?

Os economistas clássicos, inclusive Marx, tentaram oferecer explicações pontuais para cada uma destas exceções, mas, assim com as crescentemente complexas explicações dos geocêntricos, eles abriram mão do cientificismo e, com isso, cederam espaço para outros apresentarem explicações melhores.

A revolução austríaca

Na ciência econômica, essa explicação surgiu quando, como Copérnico, vários economistas perceberam que a explicação antiga estava completamente invertida.

Esse ponto foi deixado cristalino na obra do economista austríaco Carl Menger (1840-1921), cujo livro, Princípios de Economia Políticade 1871, não apenas ofereceu uma nova explicação para a natureza do valor econômico, como também foi o responsável por estabelecer a Escola Austríaca de Economia.

O que Menger e outros argumentaram é que o valor é subjetivo. Ou seja, o valor de um bem não é determinado pela quantidade de trabalho consumida em sua produção. Tampouco é determinado pelos insumos físicos, inclusive mão-de-obra, que ajudaram a produzi-lo. Ao contrário, assim como a beleza, o valor — como diz o velho provérbio — está nos olhos de quem vê. O valor de um bem advém da percepção humana quanto ao seu proveito e quanto à sua função para satisfazer determinados fins aos quais os indivíduos almejam em um determinado momento. Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos um indivíduo.

O valor não é algo objetivo e transcendente. O valor é subjetivo. O valor é uma função da utilidade que um objeto tem como um meio para se alcançar os objetivos que fazem parte dos planos e propósitos humanos.

Consequentemente, de acordo com os subjetivistas, a terra possui valor não por causa de algum trabalho humano utilizado em seu cultivo, mas sim porque as pessoas acreditavam que ela poderia contribuir para a satisfação de algum desejo ou necessidade (como produzir alimentos para ser consumidos), ou que ela contribuiria indiretamente para outros fins ao ser utilizada para produzir alimentos a serem vendidos no mercado.

Obras de arte tinham valor porque várias pessoas as consideravam belas, não importa a quantidade de trabalho utilizada em sua produção.

Com o valor de um bem sendo determinado pelo julgamento subjetivo de cada ser humano quanto à sua utilidade e função, as variações na qualidade do trabalho utilizado em sua produção não mais representavam um desafio para explicar seu valor.

Com efeito, o valor econômico representa uma categoria completamente separada das outras formas de valor, como o valor científico.  É por isso que várias pessoas estão dispostas a pagar alguém para ler seu horóscopo, mesmo que a astrologia não tenha valor científico nenhum.

O que é importante para se compreender o valor econômico de um determinado bem ou serviço é a percepção de que esse bem ou serviço possui utilidade para indivíduos que estão tentando alcançar objetivos e propósitos. E não que esse bem ou serviço possui algum valor “objetivo”.

Virando Marx de cabeça para baixo

Mas a verdadeira revolução copernicana na ciência econômica ocorreu quando se demonstrou como a teoria do valor subjetivo se relacionava com a teoria do valor do trabalho. Em vez de o valor de bens e serviços ser determinado pelo valor dos insumos (como mão-de-obra e matéria prima) utilizados em sua produção, a teoria do valor subjetivo mostrou que a realidade é inversa: o valor dos insumos (mão-de-obra e matéria) é que é determinado pelo valor dos bens e serviços que eles ajudam a produzir.

O alto valor de mercado de uma comida mais elaborada e requintada não decorre do valor do trabalho do chef. Tal comida não é cara porque o salário do chef é alto. Ao contrário: o trabalho do chef é bem remunerado (seu salário é alto) exatamente porque ele é capaz de produzir uma comida que o público consumidor considera especialmente saborosa, bonita e saudável. O chef é bem pago porque ele sabe criar valor para seu público consumidor.

Por essa visão, o trabalho é remunerado de acordo com sua capacidade de produzir bens e serviços que os consumidores voluntariamente compram porque valorizam.

Quando você, então, considera as várias maneiras como a mão-de-obra combinada com bens de capital (ferramentas, máquinas e demais insumos) permite que o trabalho produza bens e serviços que indivíduos consumidores apreciem, o que por sua vez eleva a remuneração da mão-de-obra, toda a visão de mundo de Marx é imediatamente virada de ponta-cabeça. O capital não explora o trabalhador. Ao contrário, ele aumenta o valor da mão-de-obra ao fornecer ao trabalhador as máquinas e ferramentas de que ele necessita para produzir bens e serviços que os indivíduos valorizam.

Não fosse o capital disponibilizado pelos capitalistas (maquinário, ferramentas, matéria prima, insumos, instalações etc.), a mão-de-obra não teria como produzir estes bens de qualidade altamente demandados pelos consumidores. Consequentemente, os trabalhadores nem sequer teriam renda.

Quando corretamente compreendido por meio da teoria do valor subjetivo, o capitalismo passa a ser visto fundamentalmente como um processo de comunicação por meio do qual os seres humanos tentam decidir qual a melhor maneira de utilizar recursos escassos de modo a satisfazer os mais urgentes desejos e necessidades.

Transações comerciais e preços de mercado são a maneira como explicitamos — para os capitalistas, empreendedores e trabalhadores — as nossas percepções subjetivas de valor, de modo que eles possam encontrar a melhor maneira de nos fornecer as coisas que mais valorizamos.

Há muito trabalho a ser feito

Para os economistas, a teoria do valor-trabalho tem a mesma validade da visão geocêntrica do universo. Por essa razão, todo o aparato teórico de Marx, e consequentemente suas críticas ao capitalismo, são igualmente questionáveis.

Infelizmente, muitas pessoas — tanto acadêmicos quanto leigos — estão simplesmente alheios a esta revolução copernicana na economia. Derrubar a teoria do valor-trabalho continua sendo uma tarefa intensiva em mão-de-obra e muito valiosa.

(Steve Horwitz)
Publicado originalmente em https://www.mises.org.br/article/2540/a-teoria-do-valor-trabalho-ainda-assombra-a-humanidade-e-segue-causando-estragos

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