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Hoje, começa uma vida sem dores crônicas

Nos últimos cinco anos, o desgaste da cartilagem dos meus quadris tornou minha vida uma sequência de desafios. Eu não achava ser possível, mas com o tempo, aprendi que havia várias formas de sentir dor. Há a pontada – aquela alfinetada profunda que dura menos de um segundo e quase faz desmaiar. Existe também aquele incômodo persistente, que vem nos tamanhos P, M, G e GG (em alguns casos, GGG). Temos a dor de movimento, que aparece apenas quando nos mexemos. Por fim, tem aquela dor latejante, que parece vir em fluxos como o sangue que corre nas veias.

Por conta deste problema nas juntas, experimentei todas essas variações. E tive de fazer duas cirurgias, para trocar a cabeça do fêmur por prótese. Quatro anos atrás, lá se foi a do lado direito. Na última terça-feira, foi a vez do esquerdo. No período pós-cirúrgico da primeira ocasião, percebi que iria cursar o pós-doutorado em matéria de suplícios. A operação não é fácil. É feito um corte na lateral, para que se tenha acesso ao osso. Para isso, um músculo é cortado – o glúteo médio. Em seguida, a ponta arredondada do fêmur é serrada. Uma prótese substitui essa parte e é encaixada e cimentada dentro do osso. Depois, um anteparo para acoplar a prótese é perfurado no quadril. As duas peças são encaixadas, o músculo é costurado e o corte é fechado.

Nessa primeira vez, a anestesia foi feita à base de morfina e tomei o opiáceo Tramal na veia. Enquanto estava no hospital, o desconforto era suportável. Mas, em casa, com a medicação oral, o grau de analgesia caiu bastante. E passei uma semana sem saber o que incomodava mais: se o corte, se o músculo seccionado, se a ponta do fêmur serrada, se a prótese enfiada no osso ou a perfuração do quadril. Depois disso tudo, o desafio foi reaprender a andar, pois o procedimento acaba “desligando” os músculos da perna operada. Resultado: um longo período de recuperação e fisioterapia.

Ocorre que, um pouco depois dessa primeira cirurgia, comecei a sentir um incômodo na outra ponta. Fui convivendo com essa dor, que foi bastante aliviada nos últimos meses por gotas diárias de canabidiol (não tentem fazer isso em casa sem o apoio de um médico). Até que a cirurgia no segundo quadril foi inevitável.

Em quatro anos, houve uma evolução impressionante na cirurgia de quadril. Bloqueadores de dor são colocados na região, o que torna a recuperação bem mais confortável e rápida. Da outra vez, demorei sete dias para trocar o andador pelas muletas. Desta vez (também ajudado pela experiência da operação de 2018), essa evolução se deu no segundo dia.

Em algum momento, sei que o quadríceps (aquele músculo da parte frontal da coxa) vai parar de doer – e aí deverei fechar um longo capítulo de minha vida: viver com padecimentos crônicos, que minam o espírito e a jovialidade de qualquer pessoa. Com um agravante: eu queria manter minha dignidade a todo custo e não deixar que os outros percebessem o meu sofrimento (algo impossível, eu entendo agora). Além disso, sentia vergonha em andar mancando em público. Para piorar a equação, detestava quando percebia o olhar de pena dos outros. E me irritava imediatamente quando alguém (geralmente da minha família) oferecia algum tipo de ajuda não solicitada. Aquela sensação de invalidez feria mais que a dor provocada por um osso roçando no outro, sem a cartilagem para servir de anteparo entre o fêmur e o quadril.

A dor, ainda por cima, mexe com seu comportamento. Alguém que convive com dores crônicas perde a leveza e o bom humor. É como se vivêssemos encobertos por uma névoa que tira a graça de muitas coisas e nos afasta de outras. Boa parte da criatividade, neste processo, vai embora, apertada por um torniquete que aparece a cada gemido que abafamos, a cada pontada que nos queima por dentro.

Depois que o efeito da anestesia geral passou, passei a imaginar como será a minha vida daqui para frente, com a possibilidade concreta de me livrar deste flagelo diário. Me peguei, ontem, fazendo planos e retomando o planejamento de viagens que havia desistido há tempos. Traçando metas para melhorar a minha saúde. Experimentando a sensação de viver sem estar acostumado com a dor diária. E, principalmente, perceber que aquele nevoeiro cotidiano que atormentava o meu julgamento sobre as coisas não está mais por aqui.

Há uma música de Bruce Springsteen que diz: “você não pode começar um fogo sem uma faísca (“You can’t start a fire/ you can´t start a fire without a spark” – da canção “Dancin’ in the Dark”). Tenho a impressão de que, nos últimos cinco anos, os analgésicos reduziam a minha dor – mas, ao mesmo tempo, roubavam as minhas faíscas diárias. Hoje, sinto que as centelhas voltaram a aparecer, numa espécie de renascimento. Uma sensação fabulosa, que pretendo manter até o final da minha vida.

O espírito das palavras do poeta T.S. Elliot tomam conta de mim:

“For last year’s words belong to last year’s language

And next year’s words await another voice.

And to make an end is to make a beginning.”

(“As palavras do ano passado pertencem ao idioma do ano passado

E as palavras do ano que vem aguardam uma nova voz.

Porque criar um final é fabricar um novo começo.”)

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Comentários

Respostas de 3

  1. Querido Aluizio, que tocante o seu relato, e que aliviante o final dessa longa travessia! Tantos dias novos e luminosos chegando! Feliz Dia dos Pais e Feliz Vida Nova!

  2. Muito feliz pela sua nova fase, sem dores, querido Aloísio !
    Obrigada por compartilhar sua vivência com esse tocante relato.
    Agora, é retomar seus sonhos com serenidade e ser FELIZ!!
    « Croquer la vie à pleines dents » maintenant !

  3. Meu amigo Aluízio, que relato desses anos todos de sofrimento. Que bom que deu tudo certo. Agora vida nova. Que a recompensa venha daqui para frente… abs

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