Na quarta-feira, como se fosse um vidente, acordei cantarolando “Papa-Oom-Mow-Mow”, dos Beach Boys. Emendei com “Warmth of the Sun” e “God Only knows”, duas obras-primas de Brian Wilson, baixista, líder e principal compositor da banda. Algumas horas depois, recebi a notícia que me deixou muito chateado: Wilson tinha falecido aos 82 anos de idade.
Como todo gênio da música, era dono de uma personalidade difícil e viveu o drama de ter um pai dominador e violento. Murry Wilson vivia batendo em seus filhos (além de Brian, Dennis e Carl) a ponto de deixar o líder dos Beach Boys praticamente surdo de um dos ouvidos, devido à força de um soco na cabeça.
Brian Wilson era um músico espetacular e bebeu na influência de uma banda dos anos 1950 (The Four Freshmen) para criar arranjos vocais que grudam na cabeça e que se tornariam marca registrada dos Beach Boys.
Em outubro de 2022, publiquei um artigo sobre ele e competitividade. Aproveito a ocasião para republicar esse texto abaixo e reitero a minha admiração a esse músico desajeitado e gordinho, que não tinha papas na língua. Descanse em paz, Brian, e aproveite para montar uma banda celestial com seu irmão, Dennis, na bateria, juntamente com John Lennon e George Harisson nas guitarras. Já imaginou como seria uma mistura entre o som dos Beatles e dos Beach Boys?
QUANDO SOMENTE NÓS ESTAMOS COMPETINDO COM OS OUTROS
Ontem, escrevi sobre empreendedorismo e mencionei um documentário que vi nesta semana sobre a banda Beach Boys. Mencionei o pessimismo e a melancolia que rondavam o líder do grupo, Brian Wilson, e como isso deve ter influenciado em seu trabalho criativo. Somente hoje me lembrei que havia outra característica que impulsionava seu trabalho: a rivalidade com quatro ingleses de Liverpool, que tiraram os Beach Boys do topo do pódio das paradas americanas. Nos anos de 1962 e 1963, só dava Brian Wilson e seus colegas na Billboard. Mas, depois de fevereiro de 1964, quando os Beatles chegaram aos Estados Unidos, os garotos da Califórnia foram relegados a um papel secundário na cena musical. Pior que isso: a qualidade das canções de John Lennon e Paul McCartney – um pop de altíssimo nível – descortinou a ingenuidade do som criado inicialmente por Brian.
Enquanto boa parte da discografia dos Beatles poderia ser creditada à rivalidade sadia que havia na dupla Lennon-McCartney, Brian era praticamente o compositor solo de sua banda. Mike Love, o vocalista, escrevia a maioria das letras — mas seu trabalho estava milhas aquém dos rivais ingleses. Os Beach Boys eram uma espécie de ‘família dó-ré-mi”: Brian tocava com seus irmãos Carl e Dennis (o único que surfava de verdade), o primo Mike e o vizinho Al Jardine.
Sem um parceiro forte nos Beach Boys, Brian tomou para a si a responsabilidade de concorrer com os Beatles. Mas nem Paul McCartney nem John Lennon o viam como um oponente. Na segunda metade da década de 1960, os Beatles já demonstravam maturidade em álbuns como “Revolver” e “Rubber Soul”. Isso levou a Brian contratar os melhores músicos de estúdio dos Estados Unidos para tocar em seus discos – além de elevar a régua de suas composições. Em 1966, lançou “Pet Sounds”, que trazia canções experimentais e populares. Foi um sucesso imediato, puxado pelas faixas “God Only Knows”, “Wouldn’t Be Nice” e “Good Vibrations”.
Paul McCartney se tornou um entusiasta de “Pet Sounds”. Mas usou o disco para abrir sua cabeça a novas influências – assim como se inspirou em Vivaldi para pedir o arranjo de violinos em “Eleanor Rigby”. Não pensou em Brian Wilson como um rival a ser batido, mas sim como um músico que merecia seu respeito e admiração. O baixista dos Beatles também estava sintonizado com outras bandas que surgiam em Los Angeles e São Francisco, incorporando alguns toques de psicodelia às suas composições com John Lennon.
O resultado de tudo isso foi “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, considerado por muitos o melhor álbum dos Beatles, com doses certas de experimentação e ousadia. “Pepper’s” caiu feito uma bomba nos ouvidos de Brian Wilson. Os Beatles tinham novamente se superado. E no confronto direto, o último disco do quarteto de Liverpool deixava “Pet Sounds” para trás.
Mais uma vez dominado pelo espírito competitivo, o líder dos Beach Boys resolveu trabalhar no LP que tencionava ser sua obra-prima: “Smile”. Para ampliar sua criatividade, mergulhou fundo nas drogas e deu asas às excentricidades. Antes do lançamento de “Sgt. Pepper”, as gravações avançaram aos solavancos. Mas, depois que Brian ouviu o disco dos Beatles, sofreu um bloqueio criativo fatal, que causou o fim do projeto.
Brian Wilson foi derrotado por uma rivalidade que só existia em sua cabeça. Lennon e McCartney estavam mais preocupados em superar um ao outro e se sentiam confortáveis (especialmente Paul) neste ambiente competitivo. Já Wilson foi definhando seu poder criativo ao ceder a uma pressão psicológica gigantesca.
O que aconteceu com Brian Wilson – considerado por todos os críticos como um músico genial e um dos maiores compositores do rock – pode ocorrer com qualquer um de nós. Muitas vezes, criamos uma rivalidade que só existe para nós. O outro lado, nestas situações, pode nem perceber que existe uma competição, o que acaba sendo ainda mais frustrante para quem criou uma concorrência em sua própria mente.
Qual é minha música preferida dos Beach Boys? Escolho “The Warmth of the Sun”, que conheci ouvindo a trilha sonora de “Good Morning, Vietnam”. Trata-se de uma típica faixa “dor de cotovelo”. Mas os arranjos vocais representam perfeitamente o estilo da banda: falsetes combinados com harmonias vocais impecáveis. Mas admiro também outras canções: “California Girls”, “God Only Knows” e “Do it Again”. Essas canções também incorporam esse estilo inconfundível, criado por Brian Wilson.
E a sua, qual é?