Dias atrás, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, participou de um jantar beneficente realizado na casa do CEO de uma empresa que tem interesse em alguns processos que tramitam na corte. Questionado por conta deste episódio, Barroso ficou bravo. “A incultura é um problema difícil de sanar no Brasil”, afirmou. “No Brasil, existem atualmente duas grandes categorias de pessoas: as que fazem alguma coisa e as que têm razão. Portanto, a gente tem que continuar fazendo e deixar para as que têm razão e precisam vender jornal falando bobagem”.
Em um mundo ideal, magistrados do mais alto tribunal do país não deveriam interagir com pessoas que podem ser beneficiadas ou prejudicadas por uma decisão do STF. Por isso, a prudência aconselha uma distância regulamentar entre juízes e interessados – até para preservar a imagem dos dois lados.
Mas, aparentemente, há ministros que não se preocupam com isso, pois se julgam imunes a qualquer tipo de interferência do mundo exterior ao seu trabalho. Dessa forma, o presidente Barroso acha normal confraternizar com alguém que acompanha de perto determinados processos que tramitam nos escaninhos do STF.
O público, porém, não pensa assim. Mas por que se preocupar com o que diz a sociedade? Afinal, os ministros foram indicados pela presidência da República e têm um mandato praticamente inexpugnável até à aposentadoria, que ocorre aos 75 anos de idade. Diante disso, por que seguir algum tipo de protocolo se a chance de os demover do cargo é quase nula?
Esse tipo de comportamento já se viu na suprema corte dos Estados Unidos – e também por lá provocou desconforto.
Uma reportagem publicada pelo Wall Street Journal em setembro de 2021 revelou que, entre 2010 e 2018, juízes federais dos EUA participaram do julgamento de 685 casos envolvendo empresas nas quais eles ou seus cônjuges tinham participação acionária. Alguns magistrados, no entanto, alegaram que não estavam cientes de seus investimentos, pois eram gerenciados por assessores financeiros. Mesmo assim, o presidente da Suprema Corte, John Roberts (no cargo há vinte anos), enfatizou que essa não era uma desculpa aceitável e que os juízes deveriam seguir padrões éticos rigorosos.
Além disso, dois juízes foram expostos em casos que trouxeram preocupação aos colegas. Clarence Thomas, por exemplo, recebeu do bilionário Harlan Crow, do ramo imobiliário, viagens de luxo, hospedagens e despesas educacionais de um parente. Já Samuel Alito ganhou de Paul Singer (fundos de hedge) a mesma coisa, com direito a transporte em jato particular e estadias em resorts luxuosos.
Esses episódios geraram debates sobre transparência e levaram à adoção de um código de conduta para os juízes da Suprema Corte em 2023. Evidentemente, os casos americanos são muito mais graves do que o jantar envolvendo o ministro Barroso. Mesmo assim, a adoção de um código de ética mais abrangente para o STF seria bem-vinda e favorável a todos – inclusive àqueles que se julgam acima dos reles mortais.