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Reflexões sobre o documentário de Elize Matsunaga na Netflix

Há exatamente uma semana, fui jantar com um casal de amigos e fiquei sabendo sobre a existência de um documentário sobre Elize Matsunaga na Netflix. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Elize foi a mulher que assassinou o marido, Marcos, e o esquartejou para desovar as partes do cadáver em matas do subúrbio paulistano em maio de 2012. Esse crime hediondo, por si só, já teria grande repercussão na imprensa. Mas foi apimentado pelos personagens de um enredo eletrizante: a assassina tinha sido garota de programa e a vítima era herdeiro de uma das maiores empresas alimentícias do Brasil. Como se o filme “Pretty Woman” tivesse sido reescrito com final aterrorizante.

Confesso que fiquei a semana inteira pensando no caso. Trata-se de uma tragédia que mexe com nossos sentimentos e da qual se pode tirar algumas reflexões. A primeira é a de que o roteiro do documentário, dividido em quatro capítulos, é bastante favorável a Elize, principalmente porque é ancorado na narrativa da algoz do marido e dedica boa parte de seu tempo aos advogados de defesa. Mas isso também ocorre pois há uma evidente intenção de se humanizar alguém que cometeu uma barbárie e atuou com frieza extrema para ocultar o cadáver.

Dois dos principais personagens que representam a acusação, por sua vez, não passam muita credibilidade, o que, de alguma forma, reforça o lado da criminosa. A imagem póstuma de Marcos é defendida principalmente por dois de seus amigos. Mas a conclusão que se chega ao final dos quatro capítulos que compõem a minissérie é a de que o empresário era infiel, viciado em prostituição, tinha o caráter fraco, foi um caçador obcecado por armas e possuía temperamento cruel.

A primeira reflexão que surge é sobre as teorias que discutem o determinismo social – ou seja, que a pessoa é fruto do meio em que se forma. Elize foi uma criança abandonada pelo pai, negligenciada pela mãe e abusada pelo padrasto – tudo isso dentro de um contexto de pobreza no interior do Paraná. Este quadro pode explicar a frieza da assassina e seu pragmatismo na hora de decidir a melhor maneira de se livrar do corpo do marido.

Mas esse é o típico caso em que se pode até compreender as razões, mas não se pode compactuar com a violência e os requintes de crueldade. Apesar de passar boa parte do tempo dos depoimentos sob forte emoção e chorando, é possível vislumbrar por várias vezes a indiferença da assassina em relação ao homicídio.

Mas será Elize uma pessoa fria e calculista?

Ela deixou a prostituição para se casar com um homem rico. Preferiu perder tudo – incluindo sua liberdade – ao perceber que era traída com uma prostituta. Não se sabe ao certo se ela diz a verdade quando fala sobre a noite do assassinato (a perícia verificou que Marcos deveria estar ajoelhado diante dela quando o tiro foi disparado, enquanto ela afirma que a vítima estava em pé). Mas será que ela não poderia ter agido com calma, revelado à família dele sobre o adultério e saído com uma bela pensão? Isso seria o que uma mulher matreira e gélida faria. Diante dos acontecimentos, assim, conclui-se que ela agiu sob forte emoção quando apertou o gatilho. Terá sido ela impelida de fato por impropérios e ameaças do marido? Nunca saberemos.

O certo é que ela mostra um lado sombrio no terceiro episódio, quando fala que o marido comentava que nunca tinha conhecido uma mulher que não se importava em caçar ou que matasse animais. Elize solta um “pois é” seguido de uma risada irônica.

Outra reflexão que surge diz respeito à estratégia de defesa no julgamento. Nos casos de feminicídio, os defensores, com muita frequência, exaltam o lado humano do assassino e se concentram em descontruir o caráter da vítima. Esse modus operandi é criticado com frequência por observadores que defendem os direitos das mulheres. Curiosamente, foi exatamente o que os advogados de Elize fizeram com a vítima: mostraram o lado obscuro de Marcos, explorando suas fraquezas e até apresentaram textos atribuídos a ele que resenhavam o atendimento de prostitutas com as quais se relacionava. Ou seja, essa tática deixou de ser uma exclusividade dos agressores masculinos.

A grande pergunta que fica é: ela agiu sozinha? Se não, como as câmaras não registraram a presença de alguém? Especula-se que há pontos cegos no condomínio e que um eventual cumplice poderia, sim, ter ajudado a assassina se entrasse pelo segundo subsolo e subisse as escadas. Mas, a essa altura, somente a autora do crime poderá esclarecer o que houve – mas ela disse que carregará alguns segredos envolvendo a morte do marido para o túmulo.

A maldade humana é algo que produz sentimentos ambíguos. De um lado, rejeitamos a malignidade. De outro, não nos conformamos com certos acontecimentos e queremos saber como é possível que alguém tenha tanta malevolência no coração.

Infelizmente, certos comportamentos das pessoas não podem ser explicados de forma racional. A nós, apenas nos resta lamentar casos como o de Elize e Marcos – e torcer para que quem traz a vileza dentro de si não cruze o nosso caminho.

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