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Manifestação da Paulista de ontem versus Marcha de 1964

Duas coisas chamam a atenção nas manifestações em favor do governo de Jair Bolsonaro neste final de semana. Uma delas o número diminuto de adesões. O pequeno volume de pessoas pode ser explicado por alguns fatores, como, por exemplo, o isolamento social provocado pela pandemia. Ou pela falta de apelo do protesto em si.

Outro ponto que levanta sobrancelhas é a insistência de alguns manifestantes em clamar por uma intervenção militar que mantenha Bolsonaro no poder. Esse movimento pede a ruptura da ordem democrática para tornar Bolsonaro um mandatário sem as barreiras impostas pelos demais poderes, como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Na prática, seria um golpe militar para eliminar limites às vontades do presidente. Não importa o que se diga de certos congressistas ou juízes, cujo comportamento provoca críticas de muitos. O nome disso é ditadura, pura e simplesmente.

Respeitar instituições é algo que até os militares fizeram quando tomaram o poder em 1964 (depois, fecharam o Congresso durante o AI-5 e o Pacote de Abril e promoveram intervenções significativas no STF em 1965, 1968 e 1977, sem cerrar a Alta Corte – mas isso é tema para outro texto). Mas, aparentemente, os bolsonaristas mais radicais ignoram que o papel das Forças Armadas é justamente garantir os poderes constitucionais, segundo o hoje famigerado artigo 142 da Constituição.

Em relação a este trecho específico da Carta Magna, pelo menos os extremistas pararam de brandi-lo como uma desculpa técnica para um golpe militar. O artigo versa apenas sobre o funcionamento das Forças Armadas e em nada garante aos militares o direito de intervir na ordem democrática. Vamos relembrar: a Constituinte de 1988 é considerada por muitos apoiadores do presidente como socialista e de tom revanchista à Carta promulgada durante o regime de 1964. Diante disso, qual seria chance de existir um artigo que garanta ao Exército, Aeronáutica e Marinha o direito legal de tomar o poder? Resposta: zero.

Quando somamos essas duas variáveis – escassez de manifestantes com os pedidos de intervenção –, é impossível não se recordar da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Essa manifestação ocorreu em 19 de março de 1964, em São Paulo, e congregou entre 300 000 e 500 000 pessoas, segundo estimativas da época.

O grupo saiu da Praça da República, tomou a Rua Barão de Itapetininga, cruzou o Viaduto do Chá e de dirigiu à Praça da Sé através da Rua Direita. Em frente à Catedral, houve discursos que, como hoje, pediam que militares tomassem o poder – mas, no caso, para derrubar o presidente João Goulart, um vice que assumiu o Planalto após a renúncia de Jânio Quadros. Jango, dias antes, tinha feito um discurso na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com forte tom esquerdista, o que estimulou a organização da Marcha.

A população de São Paulo, na época, era um pouco menor que um terço da atual (hoje, são quase 13 milhões de habitantes, contra menos de 4 milhões em 1964). Isso quer dizer, numa conta rápida, que a Marcha, na atualidade, teria uma concentração equivalente a um total entre 1 e 1,5 milhão de manifestantes. É um mar de gente comparado aos gatos pingados que estiveram na Avenida Paulista na tarde de domingo (7).

Do mesmo jeito que os militares viram na manifestação de 1964 um forte indício de que o rompimento da ordem democrática seria bem recebido pela sociedade brasileira, a mensagem que as Forças Armadas enxergam nos dias de hoje é que apenas uma meia-dúzia de malucos apoiaria uma aventura doidivanas de rasgar a Constituição.

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