A decisão do presidente Jair Bolsonaro de nomear um general para o comando da Petrobras (PETR3; PETR4) pode colocar em xeque toda a agenda liberal prometida pelo governo e surtir efeitos negativos mais amplos no mercado financeiro, afetando câmbio, juros futuros, risco-país e ações de outras estatais, segundo analistas.
Na noite de sexta-feira, 19, o Ministério de Minas e Energia anunciou que, por decisão de Bolsonaro, Roberto Castello Branco será substituído pelo general Joaquim Silva e Luna na presidência da estatal de petróleo.
A interferência do governo veio após Bolsonaro sinalizar publicamente um descontentamento com os aumentos recentes nos preços da gasolina e do diesel. A Petrobras promoveu quatro reajustes nos valores dos combustíveis nos últimos meses, levando a uma alta de 35% na gasolina e de 28% no diesel desde o início de 2021.
A troca de comando da estatal assustou os investidores. Os ADRs (certificados de ações estrangeiras negociados nos EUA) da empresa caíam quase 10% no after market da bolsa de Nova York. Antes do anúncio, ainda no pregão de sexta-feira, os papéis da empresa já tinham recuado 7,1% nos EUA e 8% no Brasil.
Agora é esperado que o mercado brasileiro testemunhe efeitos ainda mais acentuados no próximo pregão da B3, que acontecerá na segunda-feira, 22.
“A Petrobras tem um peso grande no Ibovespa e, por isso, deve puxar o mercado para baixo”, prevê Bruno Lima, analista-chefe de renda variável da EXAME Invest Pro. Ele diz que a queda deve ser severa o suficiente para levar os papéis da empresa para leilão – movimento de suspensão de negociações quando há queda ou alta brusca de ativos.
Além de colocar a política liberal do governo Bolsonaro em dúvida, a troca do presidente da Petrobras remete a um passado recente de intervenção federal nas decisões da empresa. No governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a Petrobras revendeu a gasolina e o diesel a valores menores que os praticados no mercado internacional, absorvendo um prejuízo bilionário decorrente dessa diferença.
“O presidente deu um perigoso passo fora da agenda que o sustenta no poder, abrindo espaço para especulações sobre suas convicções liberais de fato”, disse André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.
Contágio sobre estatais, dólar e juros
O temor dos investidores é que essa política volte a vigorar, agora sob o comando do general Joaquim Silva e Luna. “A memória do governo intervencionista volta à tona, e os investidores colocarão sob júdice toda a agenda de reformas prometida por Bolsonaro”, avalia Bruno Lima.
É provável que o impacto não se limite às ações da Petrobras. O analista da EXAME Invest Pro vê risco para os papéis de outras estatais, como Eletrobras (ELET3; ELET6) e Banco do Brasil (BBAS3), além de uma pressão extra sobre o dólar, a curva futura de juros e o próprio risco-país. Trata-se de um “efeito contágio” com dimensões ainda desconhecidas.
A avaliação é a de que, se o governo cedeu à pressão localizada de alguns setores que criticaram o preço dos combustíveis, o compromisso com outras iniciativas impopulares, como a venda de estatais e a reforma tributária, torna-se mais frágil. Nem a eleição de Arthur Lira, novo presidente da Câmara alinhado ao governo federal, deve barrar o pessimismo crescente do mercado.
Nesse contexto, até mesmo a permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, e a do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se torna imprevisível, de acordo com Lima, da EXAME Invest Pro. Ainda que distante de se concretizar, o eventual desembarque dos dois grandes fiadores do projeto liberal de Bolsonaro pode ter efeitos ainda mais catastróficos sobre o mercado.
Por Bianca Alvarenga
Publicado originalmente em https://exame.com/invest/troca-na-petrobras-faz-mercado-questionar-reformas-e-permanencia-de-guedes/