Muitos de nós se sentem presos ao passado por conta de situações traumáticas. Ficamos repetindo cenas em nossas mentes, relembrando detalhes do que aconteceu e imaginando o que poderia ter sido feito para mudar o destino. Eu, você e toda a torcida do Flamengo já fizemos isso em algum momento de nossas vidas – mas alguns praticam mais que outros esse flashback constante e interminável. Outra forma de se celebrar exageradamente o passado é a nostalgia de tempos mais ingênuos, fáceis e tranquilos. Isso, no entanto, pode gerar um efeito colateral: o endeusamento do que passou, desprezando o presente que parece ser pior.
Falando em presente, ouvimos muito que é necessário viver o momento, sem pensar no futuro. Existem milhares de citações que nos incitam a isso. Viver o presente seria uma forma de nos libertar dos problemas vividos no passado e evitar a ansiedade que pensar no futuro nos traz.
Talvez um exemplo terminal de foco total no presente esteja em um diálogo capturado no filme “Entre Dois Amores” (Out of Africa), baseado no livro “A Fazenda Africana”, de Karen Blixen (aqui sob o pseudônimo de Isak Dinesen), no qual a autora narra sua experiência em uma propriedade rural no Quênia, no início do século 20. Blixen é uma autora talentosa e sua história na África foi romanceada demais no cinema (é dela, por exemplo, o conto que inspirou o longa-metragem “A Festa de Babette”), mas há na película uma passagem que mostra claramente o que pode ocorrer quando nos apartamos radicalmente do futuro.
O personagem de Robert Redford, Dennis Finch Hatton, está falando sobre seu escudeiro, que é da tribo Massai, e porque ele é diferente dos demais empregados da fazenda, oriundos da nação Quicuio. “Se você põe um Massai na prisão, ele morre. O Massai vive o “agora” e não pensa sobre o futuro. Eles acham que o presente é permanente”.
Evidentemente, isso se aplica a uma minoria. Mesmo assim, temos um hábito de nos prender excessivamente aos acontecimentos do momento e, assim, sermos contaminados indelevelmente pelo pessimismo.
No mundo dos empreendedores, do qual faço parte desde 2009, viver apenas o presente é algo perigoso.
O empreendedor é alguém que faz questão de ignorar as dificuldades da atualidade. Quando tudo começa a ficar difícil, aquele que resolveu ter o seu próprio negócio posta os olhos no futuro. E arregaça as mangas para pensar nas alternativas que o levarão de um perrengue para um cenário melhor daqui a algum tempo.
Ser empreendedor é não se conformar com as barreiras que surgem à frente. É ter um senso de autopreservação à toda a prova. É saber conviver com as eventuais derrotas sem deixar se abater – e sempre de olho no próximo embate.
É óbvio que os empreendedores não são super-homens. Eles têm também seus momentos de questionamentos e de tristeza. Isso os torna humanos e falíveis. Mas há um espírito de entrega e de abnegação presente em todos que se aventuram pela iniciativa privada e nela ficam (não é uma vida para todos, diga-se).
Mas os empreendedores entendem melhor do que ninguém que, muitas vezes, se vence uma luta apenas porque se ficou em pé, apesar dos socos desferidos pelos adversários. Resistir às intempéries, como ocorre agora, é o que molda o caráter de quem empreende. Momentos como os atuais nos testam e provocam receio em nossas almas, desafiando a capacidade de ir em frente.
Mas não devemos esmorecer. Essa pandemia vai passar em algum momento, apesar dos esforços – involuntários ou não – em contrário. É hora de nos concentramos em como vamos fazer essa travessia e enfrentar os lockdowns que travam a economia e atrapalham os negócios. Não podemos nos deixar abater agora que temos, pelo menos, a vacinação em processo inicial. A imunização dos brasileiros será mais demorada do que deveria, é verdade, mas temos de nos debruçar nesse processo e encontrar oportunidades para sobreviver. A vida está complicada para todos (menos para quem tem estabilidade no emprego) e isso é algo que pode ser usado em seu favor. Olhe para o lado: seu concorrente também está sofrendo. Pense sobre como tornar seu negócio diferente do dele. Sempre existirá alguma ideia para que você se diferencie. Mas o seu competidor está se reerguendo, ao contrário de você? Entenda o que ele fez e aplique mudanças em seu empreendimento. Não tenha vergonha de copiar.
Só não faça uma cópia pela cópia. Isso pode trazer problemas ainda maiores do que aqueles enfrentados hoje.
Reserve uma parte de seu tempo para refletir. Em primeiro lugar, o que pode ser feito para garantir sua existência nesse momento de transição? Depois, analise como seu mercado emergirá da pandemia e quais serão as novas necessidades dos clientes. Antecipe-se. Olhe para o futuro. Faça como Abraham Lincoln, que mudou para sempre os Estados Unidos ao seguir seus ideais e sempre imaginar o futuro de sua nação. “Eu não sei ao certo quem foi meu avô”, dizia ele. “Estou mais preocupado em saber como será o meu neto”.