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Bill Gates, o cancelado da vez

O sujeito chegou ao topo da lista de bilionários mundiais depois de construir uma corporação gigantesca a partir de uma garagem. Tornou-se um ícone da filantropia e paladino de causas impossíveis, como criar condições de distribuir água potável no continente africano. Assumiu o compromisso de doar grande parte de sua fortuna a projetos sociais e estimulou outros bilionários, como Warren Buffet, a fazer o mesmo.

Ainda assim, desde que seu divórcio foi anunciado, Bill Gates passa por um inferno astral gigantesco e atualmente enfrenta o maior pesadelo de toda figura de exposição pública: o cancelamento. A separação de Melinda, para começar, destruiu o mito do casamento perfeito que ambos passavam à sociedade. Depois, boatos surgiram de que o divórcio seria uma farsa para que as doações anunciadas pelo bilionário não se concretizassem. Por fim, a imprensa começou a especular sobre as razões que motivaram a desunião – uma delas sendo a série de encontros que Gates manteve com Jeffrey Epstein, condenado por abuso sexual e acusado de incitar prostituição infantil.

Nesta semana, no entanto, o New York Times trouxe à tona a possibilidade de que Melinda resolveu acabar o casamento por outras razões. Uma delas seria a acusação de assédio sexual do ex-assessor financeiro de Gates, deixada em confidencialidade pelo fundador da Microsoft, enquanto a então Sra. Gates tinha defendido uma investigação externa sobre o assunto. Para piorar, a mesma reportagem afirma que o bilionário tinha um comportamento inapropriado com suas colaboradoras.

Muitas vezes fazendo abordagens atabalhoadas, Bill Gates teria proposto encontros e jantares a algumas funcionárias, que deram declarações em off aos autores da matéria. Uma dessas propostas teria sido enviada por e-mail. “Se isso a deixar inconfortável, finja que nunca aconteceu”, teria escrito ele.

Uma das autoras da reportagem, Emily Flitter, é considerada uma jornalista experiente e criteriosa. Repórter de finanças, é especializada em crimes do colarinho branco e cobriu vários escândalos em Wall Street. Acaba de assinar um contrato com uma subsidiária da editora Simon & Schulster para publicar um livro sobre racismo no mercado financeiro. Portanto, deve-se entender que as informações, embora protegidas sob o manto do sigilo, tenham fontes confiáveis. O Wall Street Journal também publicou, no dia 16 de maio, um artigo no qual afirma que o filantropo deixou o Conselho da Microsoft devido a uma investigação que corria na empresa sobre uma relação amorosa entre o principal acionista da companhia e uma funcionária.

Há evidências de que Gates não se comportou corretamente. Mas ainda não há provas cabais sobre os assédios – sempre desejáveis quando se trata de julgar a honradez de uma pessoa. De qualquer forma, as redes sociais não perdoam e, na base do ditado “onde há fumaça, há fogo”, começam o bombardeio contra a figura do empresário.

No mundo de hoje, nada fica por debaixo dos panos. Se ele teve uma conduta condenável, isso irá aparecer mais cedo ou mais tarde. A reportagem do New York Times, de qualquer forma, não o tacha de predador sexual. “Certas funcionárias afirmaram que, embora reprovassem seu comportamento, não consideravam Gates predatório”, relatam os jornalistas.

O fato, porém, é que percepção sobre os limites de comportamento abusivo no ambiente corporativo mudou nos últimos anos. É como se uma cesta de basquetebol, que hoje fica a 3 metros do chão, dobrasse de altura. Fazer dois ou três pontos ficaria bem mais difícil. É assim com as pessoas que foram criadas nos escritórios dos anos 1970 e 1980, com grande dose de machismo. O que não seria considerado nem de longe um excesso hoje é condenável, passível até de processo legal.

Assim, em boa parte dos casos, o comportamento desses executivos e empresários da Velha Guarda pode não se adaptar aos novos tempos. Talvez esse seja o caso de Bill Gates. Caso essas acusações sejam comprovadas, o cancelamento sobre ele será ainda maior. E toda a sua obra filantrópica será questionada ou desvalorizada. É como disse Warren Buffet, parceiro do fundador da Microsoft em várias empreitadas, inclusive no Terceiro Setor: “Leva-se vinte anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. Apesar de conversar muito com Buffet, Gates parece não ter levado em consideração essa máxima proferida pelo fundador da Berkshire Hathaway. Agora, só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos para saber se ele tem mesmo culpa no cartório — ou não.

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