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A nova estratégia dos negacionistas

Durante muito tempo, os negacionistas procuraram desmistificar a gravidade da pandemia da Covid-19. Já ouvimos de tudo: os números de mortes são inflados pelos governadores, certas cidades usaram a substância A ou B e não tiveram óbitos em seus perímetros urbanos, máscaras fazem mal para a saúde ou o lockdown não funciona porque insetos também transmitem o coronovírus. A lista de fake news é enorme e ainda abriga outras estultices.

Os números, no entanto, são absolutamente inegáveis. Tivemos 1,45 milhão de mortos em 2020, contra 1,26 milhão no ano anterior, um aumento substancial que apenas pode ser creditado à pandemia. Além disso, cada um de nós conhece várias pessoas que sucumbiram à doença e inúmeras outras que foram contaminadas e passaram por maus bocados. Nestes 13 meses pandêmicos, formou-se um grande contingente, a maioria esmagadora da população, que se convenceu da gravidade do cenário e quer uma distribuição mais eficaz de imunizantes. Não é à toa que este cenário causou uma queda de popularidade enorme por parte do presidente Jair Bolsonaro, que só recentemente adotou um discurso pró-vacina.

Assim, os negacionistas mudaram de tática – e de argumentação. Já não se propaga uma torrente de mentiras ou de teorias da conspiração. A pandemia foi finalmente aceita, mas agora se tenta criar um raciocínio para questionar o lockdown.

Antes de mais nada, vamos reconhecer os efeitos nefastos do fechamento de estabelecimentos comerciais. Apenas na cidade de São Paulo, estima-se que 12 000 bares e restaurantes cerraram definitivamente suas portas. Lojas de ruas e em shopping centers sofrem dificuldades enormes e o resultado é uma evidente recessão em determinados setores econômicos. As autoridades, em tese, teriam de produzir soluções alternativas ao lockdown, mas esse foi o comportamento padrão que se estabeleceu no mundo inteiro.

O lockdown, porém, é um instrumento necessário para que não exista o colapso do sistema de saúde. Passamos raspando por isso. A ocupação dos leitos de UTI chegou a 100 % em muitos hospitais, com alguns doentes morrendo sem acesso a respiradores ou tratamento adequado. Felizmente, o pior já passou e há vagas na rede pública e particular. Conseguimos atravessar essa crise sem que houvesse um número grande de vítimas por falta de atendimento – e precisamos lembrar que se o governo tivesse acelerado a compra de vacinas em 2020, poderíamos ter maior volume de imunizados entre março e abril, reduzindo a necessidade do uso de respiradores junto aos contaminados mais graves.

Dentro deste contexto, começou a circular nas redes sociais um texto que, muito racionalmente, aponta os números de mortos no Brasil de 2017 para cá. Além disso, o post também apresenta as estatísticas relativas ao contágio em relação à população total e ao número de indivíduos recuperados. Todos os números estão corretos. Mas são utilizados de uma forma distorcida.

O argumento final é o de que se engessou a economia por causa de um vírus que “é fatal para 0,17 % da população”. E ainda oferece outro primor de raciocínio matemático: o de que, nos últimos 400 dias, houve 35 mortes diárias em cada estado da Federação, sugerindo que esse é um número baixo. Evidentemente, o autor do texto não deve ter nenhum ente querido entre esses quase 400 000 mortos em solo brasileiro – o que denota a falta de empatia de quem escreveu o texto em relação ao sofrimento alheio. Mas, do ponto de vista estritamente racional, é preciso repetir: o lockdown foi implementado para preservar a integridade do sistema de saúde, que quase entrou em parafuso durante o recente auge da contaminação.

Enquanto se perde tempo com isso, poderíamos ter testado outras soluções para coibir a disseminação do vírus. No início da pandemia, por exemplo, se falava muito em testagem maciça da população para mapear o caminho do vírus e isolar as regiões mais afetadas. Este seria o caminho do isolamento vertical, no qual apenas os contaminados deixam de circular. Não se adotou essa solução por falta de recursos públicos – mas os estabelecimentos poderiam ficar abertos desde que os frequentadores mostrassem testes provando que eles não portam a doença. Não seria um sistema perfeito, mas poderia esticar a curva de contágio e também evitar a superlotação de hospitais e clínicas.

Agora, porém, essa discussão não faz mais muito sentido. Passado o apogeu da segunda onda e a manutenção de um platô alto por mais alguns dias, as atenções precisam ser concentradas na vacinação. Contamos com o SUS, que nos confere uma capilaridade excepcional para aplicar imunizantes. Agora, temos de comprar mais vacinas e acabar com o gargalo de matéria-prima que acomete o mundo todo. Poderíamos ter nos antecipado e comprado mais cedo os nossos lotes (um levantamento entregue à CPI da Pandemia mostra que o governo ignorou pelo menos 11 ofertas de vacinas no segundo semestre de 2020, que partiram de ofícios enviados por Pfizer, Instituto Butantan e Covax Facility). Agora, Inês é morta e temos de correr atrás do prejuízo. Caso contrário, estaremos à mercê dessa pasmaceira econômica e perderemos mais um ano sem a retomada integral dos negócios em nosso país.

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