Um modelo econômico que entrega aos políticos um enorme poder. Mais do que intervencionismo e estado forte, é um reflexo do total desprezo pela frugalidade de John Maynard Keynes
Enquanto economistas austríacos, de Ludwig von Mises a Henry Hazlitt e Murray Rothbard, trataram das várias falácias que John Maynard Keynes apresentou em A Teoria Geral e em outras obras – e essas falácias são numerosas – apenas Rothbard optou por abordar os aspectos filosóficos e morais das visões de Keynes em Keynes, the Man. Ele concluiu que essas visões, de fato, influenciaram seu pensamento econômico.
Economistas, como a maioria dos acadêmicos, preferem separar as opiniões econômicas de alguém das suas crenças religiosas, morais e afins, acreditando que essas últimas não são relevantes para avaliar as primeiras. Além disso, muitos estatistas e socialistas também foram cristãos altamente comprometidos com a moral, como Ronald Sider, autor de Cristãos Ricos em uma Era de Fome, e Wilfred Wellock, que defendia o Comunismo Cristão.
(De fato, muitos cristãos, como Jim Wallis, sustentaram pontos de vista teológicos ortodoxos e, ainda assim, apoiaram de forma acrítica muitas revoluções comunistas do século XX, apesar do fato de que o comunismo também se fundamentava no ateísmo e de que seus adeptos assassinaram milhões de pessoas em nome do “serviço ao povo”. Eu já tratei de pessoas com esse tipo de convicção em outro artigo.)
Ainda assim, tanto Rothbard quanto Hunter Lewis, autor de Where Keynes Went Wrong [“Onde Keynes Errou”, em tradução livre], indicam que as visões contrárias à poupança e favoráveis ao gasto livre, que dominam A Teoria Geral, têm suas raízes nas concepções morais que Keynes mantinha. Rothbard observa que uma das forças motrizes da visão econômica de Keynes era:
“(…) seu profundo ódio e desprezo pelos valores e virtudes da burguesia, pela moralidade convencional, pela poupança e frugalidade, e pelas instituições básicas da vida familiar”.
Ao examinar as ligações de Keynes com a Sociedade dos Apóstolos durante seus anos na Universidade de Cambridge, Rothbard escreveu:
“Dois posicionamentos fundamentais dominavam esse grupo hermético sob a liderança de Keynes e de (Giles Lytton) Strachey. O primeiro era a crença absoluta na importância do amor e da amizade pessoais, enquanto desprezavam quaisquer regras ou princípios gerais que pudessem limitar seus próprios egos; o segundo era a animosidade e o desprezo pelos valores e pela moralidade da classe média. O confronto apostólico com os valores burgueses incluía a exaltação da estética vanguardista, a ideia de que a homossexualidade era moralmente superior (com a bissexualidade ficando em segundo lugar), e o ódio a valores familiares tradicionais como a frugalidade ou qualquer ênfase no futuro ou no longo prazo, em comparação com o presente. (‘No longo prazo’, como Keynes diria mais tarde em sua famosa frase, ‘todos estaremos mortos’)”.
De fato, ao longo de sua carreira, Keynes desprezou tudo o que estivesse ligado a preferências temporais baixas (ou de longo prazo), as quais são essenciais para a formação de uma reserva de poupança que impulsiona o desenvolvimento do capital. Ao mesmo tempo, Keynes e seus seguidores negavam que as regras de conduta social sequer se aplicassem a eles, como o próprio Keynes escreveu (vol. 10, pp. 446–447) em 1938, conforme relembrado por Rothbard:
“Repudiávamos inteiramente qualquer responsabilidade pessoal de obedecer a regras gerais. Reivindicávamos o direito de julgar cada caso individual por seus próprios méritos, e a sabedoria para fazê-lo com sucesso. Essa era uma parte muito importante da nossa fé, sustentada de forma violenta e agressiva, e, para o mundo exterior, era nossa característica mais óbvia e perigosa. Repudiávamos completamente a moral costumeira, as convenções e a sabedoria tradicional. Éramos, em sentido estrito, imoralistas”.
Como Mises sustentava, a teoria econômica é, ou, ao menos, deveria ser, isenta de juízos de valor, ou, como ele escreveu em alemão, Wertfreiheit. No entanto, o misesiano Hans-Hermann Hoppe escreveu que poupar e manter uma preferência temporal baixa são importantes não apenas para a construção da estrutura de capital em uma economia, mas também para o desenvolvimento da própria civilização. A preferência temporal tem seu papel na explicação do fenômeno dos juros, que se baseia em uma análise livre de valores, e, ao mesmo tempo, exemplificar uma baixa preferência temporal exige uma visão de mundo que envolva a capacidade e o desejo de adiar parte do consumo presente de bens, a fim de poupar e poder consumir ainda mais no futuro.
Certamente, pode-se argumentar que a capacidade de adiar a gratificação é um sinal de maturidade, o que também contribui para promover a cooperação social necessária em uma economia avançada. Esse tipo de pensamento estava no centro da teoria econômica antes dos anos 1930. No entanto, para Keynes, esse tipo de raciocínio parecia uma espécie de sermão moral, em que os personagens eram instados à abnegação, quando, na verdade, o segredo da riqueza e da felicidade, segundo ele, era a indulgência. De fato, ele escreveu no livro Redbook em 1934 que um país “obviamente” poderia gastar seu caminho rumo à recuperação econômica (vol. 21, p. 334).
Apesar de toda a suposta sofisticação envolvida na análise keynesiana, ela se baseia em uma visão de mundo que promove preferências temporais altas ou de curto prazo, uma versão econômica do ditado “comamos, bebamos e alegremo-nos, porque amanhã morreremos”. Além disso, Paul Krugman, um discípulo moderno de Keynes, escreveu que a teoria austríaca dos ciclos econômicos (TACE) não passa de uma visão limitada do mundo, na qual os chamados tempos de bonança econômica devem sempre ser (desnecessariamente) seguidos por períodos de recessão. Equivocadamente chamando a TACE de “a teoria da ressaca”, Krugman escreveu:
“A teoria da ressaca é perversamente sedutora, não porque ofereça uma saída fácil, mas justamente porque não oferece. Ela transforma os solavancos nos nossos gráficos em uma fábula moral, uma narrativa de arrogância e queda. E oferece aos seus adeptos o prazer especial de dar conselhos dolorosos com a consciência tranquila, seguros na crença de que não são insensíveis, mas apenas estão praticando um ‘amor severo’. Por mais poderosas que essas seduções possam ser, elas devem ser resistidas, pois a teoria da ressaca é profundamente equivocada. Recessões não são consequências inevitáveis dos períodos de crescimento. Elas podem e devem ser combatidas, não com austeridade, mas com generosidade, com políticas que incentivem as pessoas a gastar mais, e não menos”.
Isso não quer dizer que o consumo das famílias seja imoral ou que apenas pessoas virtuosas poupem dinheiro. No entanto, muito do que consideramos um comportamento “moral” envolve a capacidade de adiar ao menos parte da gratificação e de saber esperar. A religião cristã enfatiza esse tipo de comportamento como moral, assim como muitas outras religiões. De fato, esse aspecto presente em várias tradições religiosas entrava em conflito com a visão de Keynes, segundo a qual cada um deveria poder fazer o que bem entendesse, sem restrições. Como Rothbard escreveu:
“Mas muitos outros aspectos de sua trajetória e de seu pensamento confirmam o imoralismo permanente de Keynes e seu desprezo pela burguesia. Além disso, em um ensaio de 1938, apresentado aos 55 anos de idade, Keynes reafirmou sua fidelidade às ideias da juventude, declarando que o imoralismo era ‘ainda minha religião por baixo da superfície. (…) Continuo e sempre continuarei sendo um imoralista’ (Harrod 1951, pp. 76–81; Skidelsky 1983, pp. 145–46; Welch 1986, p. 43)”.
Já na vida adulta, Keynes tornou-se membro do chamado Grupo de Bloomsbury. Assim como os Apóstolos de Cambridge, os integrantes desse grupo rejeitavam a moralidade tradicional e outros valores vitorianos, especialmente no campo da sexualidade. Como Rothbard escreveu:
“Os valores e atitudes de Bloomsbury eram semelhantes aos dos Apóstolos de Cambridge, embora com um toque mais artístico. Com uma ênfase marcante na rebelião contra os valores vitorianos, não é de se estranhar que Maynard Keynes fosse um membro de destaque do grupo de Bloomsbury. Um ponto de destaque era a valorização da arte formalista e de vanguarda, impulsionada pelo crítico de arte e Apóstolo de Cambridge Roger Fry, que mais tarde retornaria a Cambridge como Professor de Arte. Virginia Stephen Woolf se tornaria uma proeminente defensora da ficção formalista. E todos eles levavam com entusiasmo um estilo de vida de bissexualidade promíscua, como foi revelado na biografia de Strachey escrita por Michael Holroyd (1967)”.
É importante observar que, só porque Keynes se deleitava com o que poderíamos chamar de comportamento imoral, isso não significa que suas ideias econômicas fossem, por si, imorais. Afinal, conheci alguns economistas defensores do livre mercado que não levavam exatamente uma vida exemplar fora das salas de aula. E, como mencionei anteriormente, também conheci alguns socialistas que, com certeza, seriam bons vizinhos.
Então, por que afirmar que a economia keynesiana é imoral? Porque os economistas keynesianos sustentam que, ao criar novo dinheiro e aumentar os gastos, o governo pode gerar nova riqueza e, assim, estimular o crescimento econômico. Isso é uma mentira, ponto final. Como Murray Rothbard observou, a criação de novo dinheiro, acompanhada de endividamento e gastos, simplesmente transfere riqueza: dos que receberão esse novo dinheiro mais tarde para aqueles que estão na frente da fila. Para piorar, os primeiros a receber o novo dinheiro geralmente são mais ricos do que aqueles de quem essa riqueza é retirada. Isso acontece porque quem está na frente da fila vê sua renda aumentar, mas ainda paga pelos bens aos preços correntes.
No entanto, à medida que o novo dinheiro vai se espalhando pela economia, os preços começam a subir. Assim, aqueles que estão no “fim da fila” acabam pagando preços mais altos, mas sem ver o mesmo aumento em suas próprias rendas. É nesse ponto que ocorrem as transferências de riqueza, e não há nada de misterioso nisso. A economia pode até parecer estar sendo “estimulada”, mas, na verdade, a inflação mina suas bases.
Dada a arrogância e o desprezo de Keynes pelos poupadores e pela burguesia britânica em geral, não é surpreendente que ele tenha defendido um sistema econômico baseado na fraude. Além disso, considerando que as visões de Keynes refletem as das elites americanas, britânicas e europeias, ninguém deveria se espantar que elas apoiem os esquemas keynesianos. “Imoralistas”, como era de se esperar, apoiarão uma economia imoral.
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Por William L. Anderson
Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/UHnlU
Nota do editor:
Há exatos 142 anos, nascia o célebre economista John Maynard Keynes. Keynes deu seu nome ao que se convencionou chamar de escola keynesiana, que se desenrolou em diferentes outras escolas de pensamento, como os velho-keynesianos, os novo-keynesianos e os pós-keynesianos – todas com origem em seus escritos, em especial sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936.
O artigo a seguir não se propõe a analisar as contribuições de John M. Keynes para a ciência econômica, algo que os economistas austríacos fizeram em inúmeras oportunidades e nós aqui no Instituto Mises Brasil reproduzimos em diferentes formatos.
De fato, a economia keynesiana entrega aos políticos um enorme poder de tomada de decisões em detrimento dos indivíduos. Mas mais do que servir como desculpa para intervencionismo e estado forte, a teoria keynesiana é um reflexo da moralidade, ou imoralidade, de John Maynard Keynes, o que se percebe em sua alta preferência temporal e total desprezo pela frugalidade. Essa é a tese defendida por Bill Anderson no artigo acima.