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Exame: Vulcabras está pronta para tudo – até para guerra tarifária

Com inovação, fabricação própria e contato com o varejo, a companhia é exemplo de empresa que se adaptou para um mundo cada vez mais incerto

No pódio da 29a Maratona Internacional de São Paulo, realizada em abril, as seis primeiras posições da prova principal compartilhavam um detalhe curioso: todos os atletas usavam um modelo de tênis completamente camuflado, estratégia semelhante à adotada por montadoras de carros antes do lançamento de novos modelos.

O “veículo” era o protótipo do Corre Supra 2, lançado neste ano como a estrela do alto rendimento na linha de tênis de corrida da Olympikus. Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras, dona da Olympikus, acompanhou atento cada passo da prova. O domínio nos pés dos atletas da prova mais concorrida do Brasil, sobretudo dos vencedores, é um símbolo do sucesso na transformação da companhia. “Eu falo com felicidade e até preocupação: a demanda é tanta que está faltando produto nosso no mercado”, diz. 

A Vulcabras é a única brasileira a disputar a preferência dos corredores de elite com marcas globais como Nike, Adidas, Asics, Hoka. É um feito e tanto. Até 2019, quando lançou o Corre 1, os tênis da empresa não superavam a barreira dos 300 reais. Ao lançar o Corre Supra 2, chegou à faixa superior, dos 1.000 reais. A linha passou a responder por quase 20% das vendas da Olympikus, principal marca da empresa, que também é dona da Under Armour e da Mizuno no Brasil. 

“A Vulcabras foi capaz de criar uma nova marca com um branding tão forte que muitos consumidores se sentem pertencentes”, diz Matheus Soares, responsável pela carteira de ações do Market Makers, que tem a ação da fabricante como a maior posição. 

50 anos de Olympikus

Esse banho de loja feito na Olympikus, marca que completa 50 anos em 2025, é grande parte da explicação dos números positivos da Vulcabras: no primeiro trimestre, a empresa chegou a 19 trimestres consecutivos com crescimento de vendas. 

Até fazer da Olympikus uma marca desejada pelos clientes mais exigentes, a Vulcabras criou seu “casco de tartaruga”, como gosta de repetir o CEO.

Fundada em 1952, foi adquirida pela família Grendene Bartelle em 1988 e cresceu tocada de perto pelo pai de Pedro Bartelle, Pedro Grendene. Passou, porém, por uma crise aguda em 2011, quando registrou o primeiro prejuízo em oito anos. Conhecida pela recuperação de empresas que foram às cordas, a consultoria Galeazzi entrou em 2012 para ajudar na reestruturação, que incluiu corte de custos e renovação da gestão. Então diretor de marketing, Bartelle abraçou o plano e, em 2015, assumiu a presidência executiva. Em 2017, a empresa foi à bolsa e captou 700 milhões de reais em uma oferta de ações que funcionou como um re-IPO, fortalecendo o caixa para reduzir o endividamento e modernizar a produção.

A partir dali, a Vulcabras passou a focar o segmento esportivo, decisão que levou, em 2020, à saída da operação feminina Azaleia, licenciada a outra companhia da família, a Grendene. Não era uma escolha trivial. A Azaleia representava 30% da receita e foi substituída pela operação da Mizuno no Brasil, comprada da Alpargatas, dona da Havaianas, naquele mesmo ano. A estratégia foi bem-sucedida: em três anos, o faturamento da marca esportiva japonesa dobrou, consolidando a especialização da empresa no mercado esportivo.

A decisão que mudou a história da empresa foi investir com tudo no dueto inovação e produção nacional.­ Se era para competir em esportes, que fosse com produtos de ponta e desejados. Produzir perto dos clientes, para atender com agilidade às demandas, passou a ser um enorme diferencial competitivo.

O sucesso em números

A Vulcabras opera três unidades produtivas, onde emprega majoritariamente os cerca de 22.000 funcionários. A principal fábrica, em Horizonte, no Ceará, é a maior da América Latina, produzindo cerca de 100.000 pares de calçados por dia, com investimentos de 30 milhões de reais em 2024 para ampliar a capacidade. Itapetinga, na Bahia, fabrica a maioria dos solados e chinelos. Em Parobé, no Rio Grande do Sul, está o centro de pesquisa e desenvolvimento, onde equipes de design trabalham nas três marcas e realizam testes desde a concepção até o lançamento para aprimorar os produtos.

A produção verticalizada é um dos fatores-chave para os ganhos de ­eficiência e o custo-benefício da Vulcabras, que utiliza 85% de insumos nacionais, o que contribui para reduzir custos e prazos.

“Nossa fábrica é mais eficiente que a asiática, produzimos mais pares por funcionário. Além disso, nosso modelo de produção, com pedidos mensais e entrega em 45 dias, é muito mais complexo, mas permite repor o estoque quase mensalmente, evitando liquidações e otimizando margens”, diz o CEO. No centro de pesquisa, designers conseguem bolar e imprimir um único par de um novo tênis para validar rapidamente as ideias, economizando um tempo valioso para lançar novos produtos. “A Vulcabras demonstra a resiliência e a capacidade de adaptação num mercado volátil, com um portfólio forte e verticalização como diferenciais competitivos”, diz o time do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME).

A proximidade com o mercado consumidor é um diferencial também no varejo. Quase 80% do que a
empresa vende é para o atacado: grandes redes calçadistas, como World Tennis e Centauro. O acompanhamento próximo do cliente ajuda na oferta mais assertiva de produtos, mantendo estoques ajustados e reduzindo a necessidade de promoções. Em muitos casos, a Vulcabras consegue ter acesso simultâneo aos estoques via software, que aponta antecipadamente produtos que estão para acabar ou sugere quais itens os varejistas devem encomendar de acordo com seu histórico de vendas. Em paralelo, em 2021, a companhia internalizou seu e-commerce e comprou um centro de distribuição em Extrema, no sul de Minas Gerais, para vender diretamente online. O negócio tem crescido a ritmo intenso e chegou a 17% da receita.

O tarifaço e o futuro

O próximo passo a ser dado é crescer na venda direta com lojas físicas. Hoje o grupo tem poucas lojas, especialmente concentradas na marca Under Armour, que no exterior tem 80% de suas vendas em vestuário, categoria que depende mais do canal físico para crescer. No Brasil, a proporção da marca é de 40% vestuário e 60% calçados.

“Quanto mais elaborado o produto, mais você precisa de qualidade e disposição e explicação da tecnologia para vender. Vamos conseguir isso com lojas próprias que sejam lojas-conceito para promover a marca e ajudar nas vendas”, diz Bartelle. Ele não descarta a compra de novas marcas, mas diz que o foco segue no crescimento orgânico.

“Estamos muito atarefados com o crescimento que visualizamos para os próximos anos. Antigamente se faziam orçamentos de três a cinco anos; hoje, com tanta volatilidade, trabalhamos com planejamento máximo de três anos e fazemos ajustes ­anuais”, diz Bartelle.  

A volatilidade deste início de 2025 mostra como a estratégia de produção local e a proximidade com o
cliente, desenhada lá atrás, são uma fortaleza de longo prazo.

Os desafios cresceram com a volta de Donald Trump e sua guerra comercial. O “tarifaço” ainda gera dúvidas quanto aos desdobramentos. A China, alvo principal das tarifas, firmou uma trégua, mas o ambiente permanece volátil, forçando empresas e países a revisitarem suas estratégias. O risco de uma invasão de produtos asiáticos é velho conhecido da indústria calçadista brasileira.

De 2018 a 2024, as importações cresceram 34,5%, majoritariamente da China e de países do Sudeste Asiático, conforme dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O desafio, diz Bartelle, que é conselheiro bastante ativo da associação, é lidar com o “custo Brasil” e com condições desiguais de competição. “Não temos competitividade para abastecer mercados globais. Sem regras claras, é difícil ampliar a capacidade produtiva”, diz. O Brasil é o quinto maior fabricante de calçados do mundo e o único fora da Ásia.

Em contrapartida, a empresa  tem sido sondada por marcas internacionais interessadas em aumentar a produção local.

“A Under Armour entrou em contato conosco para entender se poderíamos ser uma nova fonte de fornecimento, um plano B para eles”, diz o CFO, Wagner Dantas. Mas, ainda que países da Europa e da Ásia continuem como principais destinos dos calçados asiáticos, o Brasil é um dos mercados para absorver parte do excedente, o que acende uma luz amarela para a indústria nacional.

Paralelamente, vai tentando combinar o pace operacional ao do mercado.

Desde o re-IPO, as ações da Vulcabras valorizaram quase dez vezes, mas continuam negociando a múltiplos baixos, cerca da metade dos concorrentes globais, como Nike e Adidas, e mesmo inferior às empresas nacionais. Também com valor de mercado próximo de 6 bilhões de reais, a Alpargatas opera com múltiplos significativamente maiores.

Recentemente, a Vulcabras passou a pagar dividendos mensais, sendo uma das cinco maiores pagadoras de proventos da bolsa. Em 2024, reforçou seu caixa com uma oferta subsequente de 500 milhões de reais, , numa operação com forte demanda que ajudou a aumentar a liquidez, o grande desafio do papel. Enquanto isso, investe cada vez mais em inovação, como tênis com placas de propulsão, como a de grafeno, que colocou os calçados da Vulcabras em um novo patamar.

Agora a empresa trabalha no lançamento iminente de um tênis que busca ser o mais rápido do mundo, para consolidar sua posição no pelotão de elite. “Nosso tênis foi testado na maratona de Londres e ajudou um atleta a melhorar seu tempo em 10 minutos”, diz Bartelle. É o tipo de vantagem competitiva que deve manter a Vulcabras no pelotão de elite — com ou sem guerra comercial.

As cinco lições da Vulcabras

Os diferenciais competitivos da companhia para turbinar o crescimento e se proteger contra momentos de volatilidade:

  1. Especialização ⟶ O foco em esporte fez a Vulcabras ter mais sinergia entre as suas operações e ganhar eficiência;
  1. Verticalização ⟶ Diante das incertezas globais, a empresa vê grandes vantagens em ter todos os processos na mão. A margem bruta já chegou a 40,2%;
  1. Governança ⟶  A crise de 2011 deixou um legado de resiliência e também sobre a importância de ter processos bem estruturados e gestão profissionalizada;
  1. Inovação ⟶  Com a linha Corre, da Olympikus, a empresa acelerou seus investimentos em tecnologia  e no lançamento de produtos. A marca dobrou de tamanho desde 2020;
  1. Proximidade ⟶  Ao mesmo tempo que deixou o canal com os varejistas mais aberto, também se aproximou do consumidor final e da comunidade de corrida.

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Por Raquel Brandão

Publicado originalmente em: encurtador.com.br/gVL47

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