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O que significa a OAB de Flávio Bolsonaro

“Timing”. Esse é um termo em inglês que não tem tradução para o português em uma só palavra, embora muitos dicionários o interpretem como “tempo”. O significado mais correto, porém, seria o “tempo adequado para a realização de algum feito”. Em política, ter essa noção é algo precioso. O candidato Jair Bolsonaro, por exemplo, começou a bater no Partido dos Trabalhadores e se posicionar como um símbolo da direita na hora correta e virou o antípoda dos petistas. Por conta disso, foi eleito com 57,7 milhões de votos.

De lá para cá, ficou muito claro que o presidente não planejou essa estratégia e agiu por puro instinto. Em inúmeros casos, em quase dois anos e meio de mandato, viu-se que Bolsonaro é impulsivo e age movido por suas emoções, num estilo belicoso que incomoda até alguns de seus aliados mais fiéis.

Nesta semana, vimos que a falta de apreço pelo “timing” pode ser algo que se transmite no DNA: o senador Flávio Bolsonaro anunciou que obteve seu registro junto à Organização dos Advogados do Brasil (seção Brasília) e passará a atuar profissionalmente no campo do Direito.

Estamos no meio de uma tremenda quizumba no cenário político, turbinada por uma pandemia que ceifou quase 400 000 vidas de brasileiros. Neste panorama, haverá uma CPI que investigará a atuação do governo em relação ao combate à Covid-19, cuja relatoria deve ir para o senador Renan Calheiros, um notório desafeto do Planalto. Ao lado disso, os empresários pressionam o governo para cumprir o teto de gastos enquanto o Congresso aprova emendas parlamentares no valor de R$ 48,8 bilhões. Além do mais, a aprovação do presidente cai em todas as pesquisas. A última enquete, realizada pelo site Poder 360 na semana passada, mostra que o governo federal é reprovado por 56 % dos brasileiros. Como se não bastasse, o senador Flávio é investigado em um caso de “rachadinhas” durante o seu mandato como deputado estadual.

Pois é no meio dessa confusão que Flávio Bolsonaro decidiu que passará a atuar como advogado.

Vamos lá. O senador completará 40 anos no próximo dia 30 e nunca advogou na vida. Qual é o único ativo que pode oferecer aos seus clientes? Justamente o fato de ser filho do presidente da República.

Ninguém está acusando Flávio Bolsonaro de corrupção – até porque não existiria tráfico de influência antes da contratação formal de seus serviços. O senador pode realizar um trabalho exemplar como causídico, respeitando a lei e as boas práticas. Mas estamos diante de um caso típico em que a mulher de César precisa parecer honesta. Apenas exercer a honestidade não basta para uma figura pública, especialmente para quem é filho do mandatário.

Além disso, trata-se de um senador da República. Cerca de 4,4 milhões de eleitores confiaram nele e o colocaram na Câmara Alta para defender os interesses do Rio de Janeiro. Esses mesmos fluminenses foram surpreendidos pela notícia de que seu escolhido não vai se dedicar integralmente à legislatura, mas vai gastar algumas horas de seu tempo cuidando de processos jurídicos no âmbito privado.

Esta falta de noção já foi vista antes, no episódio em que Flávio adquiriu uma casa de luxo em condomínio no Distrito Federal. Chamar o imóvel de mansão é um flagrante exagero, mas entende-se a percepção de quem pensa assim. Afinal, por que alguém que recebe R$ 33 000 reais por mês do Poder Legislativo compraria uma residência acima de suas possibilidades financeiras? Não faz sentido, especialmente em um momento no qual o governo é bombardeado pela oposição e perde popularidade.

A certificação de Flávio Bolsonaro na OAB também ganha importância quando existem advogados atuando em Brasília junto a cortes nas quais seus pais ocupam cargos de importância. A lei não permite que um juiz atue em casos defendidos por parentes – mas seus pares podem fazê-lo. Mais uma vez, não se está acusando nenhum magistrado de más intenções. Só que esse tipo de prática não é aprovada por quem defende normas rígidas de conformidade jurídica.

Ao atuar como advogado enquanto for senador ou enquanto Jair Bolsonaro estiver aboletado no Palácio do Alvorada, Flávio sofrerá o assédio da imprensa e poderá colocar seus eventuais clientes em uma situação desconfortável. Como no caso da residência em Brasília, ele precisava fazer isso agora? Não poderia ter deixado para depois?

Esse desprezo pela opinião pública é uma atitude altamente arriscada – e será plenamente explorada nas eleições do ano que vem.

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