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Exame: O que esperar da Banetton com a saída do fundador

O mundo da marca italiana de moletons não parece ser tão colorido, entre idas e vindas da família na gestão, a companhia segue tentando um caminho para sair da crise financeira que a persegue desde 2013

Em meio a uma crise milionária, a Benetton, marca italiana conhecida por seus famosos agasalhos coloridos, passa por uma nova restruturação. Luciano Benetton, o cofundador de 89 anos, está de partida do cargo de presidente da companhia que fundou junto com seus três irmãos em 1965, em Treviso, na Itália. A informação foi revelada em entrevista ao jornal italiano, Corriere della Sera, na semana passada.

O mundo da Benetton não parece estar tão colorido há anos — tanto que não é a primeira vez que Luciano deixa o cargo de presidente em meio a uma crise financeira. A mesma mensagem de partida foi anunciada em 2012, quando o cofundador foi afastado do cargo devido aos fracos resultados financeiros da companhia.

De 2013 para cá, a empresa tem acumulado anos de prejuízos. De acordo com estimativas de sindicatos, o grupo acumulou perdas de 1 bilhão de euros em receitas desde 2013. É o equivalente a 5,61 bilhões de reais desde 2013.

“A marca Benetton tem enfrentado grandes desafios nos últimos anos, devido à intensa concorrência de empresas do segmento de ‘fast-fashion’”, diz Joaquim Santini, pesquisador internacional de governança corporativa.

A volta do fundador para a presidência

Em 2018, Luciano retornou para a presidência do conselho da Benetton para tentar tirar a companhia de uma nova crise. Na ocasião, uma decisão pegou o mercado de surpresa: o cofundador, o único que sobrou da família, anunciou sua saída da companhia alegando que o motivo seria uma suposta “traição” do presidente-executivo, Massimo Renon. Segundo Luciano, faltou transparência sobre um déficit de 100 milhões de euros antes de impostos.

“Resumindo, confiei neles e cometi um erro”, afirmou Luciano Benetton reforçando que só teve conhecimento do acúmulo de prejuízos em setembro do ano passado.

Apesar da empresa afirmar que Renon não violou nenhuma regra, Luciano anunciou a toda a imprensa, no mesmo dia em que falou sobre a sua saída, que Renon seria substituído por Claudio Sforza, um especialista em reestruturação.

Neste cenário de resiliência, a Edizione, veículo familiar que possui a Benetton, tem mantido a empresa viva com injeções financeiras. Nos próximos quatro anos, planeja investir mais 260 milhões de euros. O desafio agora é revitalizar a marca em um mercado de moda ferozmente competitivo, mesmo que a Benetton siga “sem os Benettons”.

“O mandato de Luciano Benetton como presidente do conselho está previsto para terminar em junho deste ano, coincidindo com o encerramento do mandato da diretoria da Edizione SpA, a holding da família Benetton. Espera-se que uma nova administração seja nomeada pela holding, atualmente presidida por Alessandro Benetton, filho de Luciano”, diz Santini.

As restruturações históricas da Benetton

Com o tempo, toda a empresa passa por um processo de profissionalização — um processo abrangente que envolve mudanças estruturais, culturais e operacionais para garantir uma gestão mais eficiente, transparente e alinhada com as melhores práticas do mercado.

No caso da Benetton, esse processo aconteceu de forma gradual ao longo das décadas, trazendo sobretudo expectativas com os resultados da companhia, afirma Santini.

“O processo de profissionalização de uma empresa familiar traz consigo expectativas de transformações significativas na gestão e nos resultados. Espera-se que a gestão se torne mais eficiente, com a implementação de processos formais de planejamento, controle e tomada de decisão. A contratação de profissionais qualificados e a adoção de práticas de governança corporativa também são mudanças comuns, visando aumentar a transparência, a prestação de contas e a separação entre os interesses da família e os da empresa.”

Abaixo, Santini destaca alguns marcos importantes da companhia neste processo de profissionalização:

  • Contratação de executivos externos (década de 1980):
    “Na década de 1980, à medida que a empresa se expandia globalmente, os Benettons começaram a contratar gestores externos para ajudar a administrar o negócio.
  • Abertura de capital (1986):
    “Em 1986, a empresa abriu seu capital na Bolsa de Valores de Milão, marcando um passo significativo em direção à profissionalização e à separação entre propriedade e gestão.”
  • Reestruturação organizacional (década de 1990):
    “Durante a década de 1990, a Benetton passou por uma série de reestruturações organizacionais, criando divisões específicas para diferentes áreas de negócio e descentralizando a tomada de decisões.”
  • Criação do conselho de administração (2002):
    “Em 2002, a Benetton estabeleceu um conselho de administração formal, composto por membros da família e conselheiros independentes, como parte de seus esforços para aprimorar a governança corporativa.”
  • Transição da liderança (2012):
    “A saída de Luciano Benetton do conselho de administração em 2012 pode ser vista como um marco simbólico na profissionalização da empresa, sinalizando a transição completa da gestão familiar para uma liderança profissional.”
  • A volta do fundador ao Conselho (2018):

Em 2018, Luciano Benetton retornou à presidência do conselho, possivelmente devido a desafios enfrentados pela marca e à necessidade de uma liderança mais experiente e alinhada com os valores da família. Esse retorno demonstra o envolvimento contínuo da família Benetton nos rumos da empresa, mesmo após a profissionalização da gestão.

A saída de Luciano Benetton da presidência do conselho marca o fim de uma era para a marca que ajudou a fundar e que se tornou um ícone da moda italiana, afirma o pesquisador. “Resta agora à nova administração o desafio de reverter as perdas financeiras e reposicionar a Benetton no competitivo mercado da moda”.

Qual é o momento certo da família sair do negócio?

A decisão de uma empresa familiar de não ter mais membros da família na gestão ou propriedade pode ocorrer em diferentes momentos e por várias razões, afirma Santini, que destaca entre alguns cenários comuns:

  • Falta de sucessores: Quando a geração atual da família atinge a idade de aposentadoria sem membros da próxima geração interessados ou qualificados para assumir a liderança, a família pode optar por entregar a gestão a profissionais externos.
  • Conflitos familiares: Disputas entre membros da família podem tornar insustentável a continuidade da empresa sob a gestão familiar. Nesses casos, a venda ou transição para uma gestão externa pode ser a melhor solução para garantir a sobrevivência da empresa.
  • Necessidade de crescimento: Quando a empresa atinge certo tamanho e complexidade, a família fundadora pode reconhecer que não possui as habilidades ou recursos necessários para levar a empresa ao próximo nível. Nesse ponto, trazer gestores profissionais ou investidores externos pode ser essencial para o crescimento contínuo.
  • Diversificação de investimentos: Com o tempo, os membros da família podem desenvolver interesses diferentes e optar por se afastar da gestão ativa da empresa principal para se concentrar em outros empreendimentos.
  • Eventos de liquidez: A família pode decidir vender a empresa ou abri-la para oferta pública de ações como forma de obter liquidez para seus investimentos e diversificar sua riqueza.

“É importante ressaltar que não há um momento único ou ideal para essa transição. Cada empresa familiar é única, e a decisão de se afastar dependerá das circunstâncias específicas da família, do setor e do ambiente de negócios. Algumas empresas familiares prosperam por gerações, enquanto outras optam por fazer a transição mais cedo”, afirma Santini.

“No caso da Benetton, a empresa foi por décadas administrada pela família, passou por altos e baixos e agora enfrenta um momento crítico em sua história. A transição para uma nova administração será uma oportunidade para retomar e aprofundar esse processo, buscando uma gestão mais profissional, estratégica e adaptada aos desafios do mercado atual.”

Empresas que passaram pelo processo de sucessão familiar

Muitas empresas, no Brasil e no exterior, passaram pela transição da gestão familiar para uma gestão profissional ou de capital aberto – seja qual for a mudança, a empresa se expôe a riscos e oportunidades.

“O impacto da saída da família fundadora depende da situação específica. Em alguns casos, isso permite adaptação e crescimento, em outros, pode levar à perda de identidade e propósito. O mais importante é como a transição é gerenciada”, diz Santini. “Com planejamento cuidadoso, governança forte e liderança capaz, a empresa pode prosperar, mas sem esses elementos a transição pode ser prejudicial à sua saúde no longo prazo”.

Alguns casos de sucesso de empresas que saíram da gestão familiar:

  • Walmart (EUA): Fundada por Sam Walton em 1962, a empresa passou por uma transição gradual para uma gestão profissional, embora a família Walton ainda mantenha uma participação significativa na propriedade.
  • Ford (EUA): Fundada por Henry Ford em 1903, a empresa enfrentou várias transições ao longo das gerações. Atualmente, a família Ford mantém uma participação minoritária, enquanto a gestão é realizada por profissionais externos.
  • Pão de Açúcar (Brasil): Fundada por Valentim dos Santos Diniz em 1948, a empresa passou por uma transição para uma gestão profissional na década de 1990 e hoje faz parte do grupo francês Casino.
  • Gerdau (Brasil): Fundada por João Gerdau em 1901, a empresa passou por uma transição gradual para uma gestão profissional, com membros da família ocupando cargos no conselho de administração.
  • Votorantim (Brasil): Fundado por Antônio Pereira Ignácio em 1918, o grupo empresarial passou por uma transição para uma gestão profissional, enquanto a família mantém o controle por meio de uma holding.
  • Samsung (Coreia do Sul): Fundada por Lee Byung-chull em 1938, a empresa passou por uma transição para uma gestão profissional, embora a família Lee ainda desempenhe um papel significativo na propriedade e na tomada de decisões estratégicas.
  • Banco Itaú (Brasil): Resultante da fusão do Banco Itaú, fundado por Alfredo Egydio de Souza Aranha em 1943, e do Unibanco, fundado por Moysés Kaufman em 1924, o Itaú Unibanco passou por uma transição para uma gestão profissional, com a família mantendo participação acionária.

“Esses exemplos ilustram que, com planejamento e execução adequados, é possível realizar uma transição bem-sucedida da gestão familiar para uma gestão profissional ou de capital aberto, permitindo que a empresa continue a crescer e prosperar sob uma nova estrutura de gestão e propriedade, apesar das particularidades de cada caso”, afirma Santini. “Esperamos que a Benetton também tenha o mesmo destino”.

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Por Layane Serrano

Publicado originalmente em: bit.ly/4aMLHWO

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