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Em uma economia de livre mercado, nenhum lucro é excessivo

O mundo prosperou quando as pessoas passaram a ter o direito de controlar sua própria riqueza

Durante a maior parte da história humana, os indivíduos tinham muito pouco controle sobre sua própria riqueza. Tribos violentas e beligerantes rotineiramente saqueavam vilarejos, e reis e imperadores poderosos podiam confiscar a propriedade das pessoas de acordo apenas com seus caprichos.

Se você trabalhasse duro e conseguisse acumular alguma riqueza, não havia nenhuma garantia de que você poderia manter essa riqueza para si. Consequentemente, a maioria das pessoas se contentava em viver de maneira extremamente discreta e levando uma vida de grandes privações, tudo para não atrair muita atenção.

Mas algo de importante aconteceu no século XVII: os direitos de propriedade começaram a ser reconhecidos e estabelecidos. Em seu livro Dois Tratados sobre o Governo (1689), John Locke escreveu:

“Cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a essa propriedade ninguém mais tem direito nenhum senão ele. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e de suas mãos é devidamente dele.”

Isso deu início a uma grande alteração na sociedade, permitindo às pessoas manterem a renda do seu trabalho. Também significou que sua posição na sociedade (classe, casta etc.) não mais era determinada em seu nascimento. Com muito trabalho e visão de mundo, você poderia crescer e enriquecer, permitindo um padrão de vida melhor para si próprio e para seus filhos.  

Com a ascensão social se tornando possível, a mentalidade empreendedora dos indivíduos foi estimulada. As pessoas passaram a criar novos produtos e serviços para ofertar aos consumidores em troca do lucro. Ao fazerem isso, desejavam enriquecer. A consequência dessa busca pelo lucro — lucro esse possibilitado pela satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores — foi o surgimento de várias inovações, as quais melhoraram substantivamente a vida de todos, ricos e pobres.

Em algumas culturas, tornou-se até mesmo mais favorável ser visto como um indivíduo que venceu pelo esforço próprio do que alguém que já nasceu em berço de ouro — um fragoroso contraste em relação à era dos reis e imperadores.

Muito já foi escrito sobre as causas da Revolução Industrial. Mas é certo que uma condição necessária, embora não suficiente, foi o fato de que as pessoas que fizeram fortunas passaram a poder usufruí-las em paz.

Permitir que as pessoas controlassem a própria riqueza não apenas acelerou as inovações, como também atraiu os melhores e mais brilhantes indivíduos para determinados países.

No livre mercado, a propriedade privada dos fatores de produção já é uma função social

É costume ver as inovações radicais que o capitalismo produziu ao substituir os mais primitivos e menos eficientes métodos dos artesãos pelas fábricas mecanizadas. No entanto, esta é uma visão bastante superficial. A feição característica do capitalismo que o distinguiu dos métodos pré-capitalistas de produção era o seu novo princípio de distribuição e comercialização de mercadorias.

Surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a multidão.  Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas. 

Os empregados são eles próprios os consumidores da maior parte de todos os bens produzidos em uma economia. Eles são os consumidores soberanos que “sempre têm razão”. Sua decisão de consumir ou de se abster de consumir determina o que deve ser produzido, em qual quantidade, e com que qualidade. Ao consumirem aquilo que mais lhe convém, eles determinam quais empresas obtêm lucros e quais sofrem prejuízos. 

Aquelas que lucram expandem suas atividades e aquelas que sofrem prejuízos contraem suas atividades.

Desta forma, as massas, na condição de consumidores no mercado, estão continuamente retirando o controle dos fatores de produção das mãos dos empreendedores menos capazes e transferindo-o para as mãos daqueles empreendedores que são mais bem sucedidos em satisfazer seus desejos.

Sob o capitalismo, a propriedade privada dos fatores de produção por si só representa uma função social. Os empreendedores, os capitalistas e os proprietários de terras são os mandatários, por assim dizer, dos consumidores, e seus mandatos são plenamente revogáveis. Em um mercado livre e desimpedido, no qual não há regulamentações, subsídios ou protecionismos estatais, para um indivíduo ser rico, não basta ele ter poupado e acumulado capital. É necessário que ele invista, contínua e repetidamente, naquelas linhas de produção que melhor atendam aos desejos dos consumidores. 

O processo de mercado torna-se um plebiscito que é repetido diariamente, e que inevitavelmente expulsa da categoria dos eficazes e rentáveis aquelas pessoas que não empregam sua propriedade de acordo com as ordens dadas pelo público.  Consequentemente, em um mercado livre de protecionismos e privilégios concedidos pelo governo, as grandes empresas — sempre o alvo do ódio fanático de todos os governantes e de pretensos intelectuais — adquirem e mantêm seu tamanho unicamente pelo fato de elas atenderem aos desejos das massas.

As indústrias voltadas para satisfazer os luxos de poucos jamais adquirem um tamanho significativo.

Como ocorrem os lucros e os prejuízos

Em um sistema capitalista de organização econômica, os empreendedores determinam como serão os processos de produção. Porém, nesta tarefa, caso haja livre concorrência e uma genuína liberdade de entrada no mercado, eles sempre estarão total e incondicionalmente sujeitos à soberania do público consumidor

Aqueles empreendedores que se mostrarem incapazes de produzir — da melhor e mais barata maneira possível — os bens e serviços que os consumidores estão demandando com mais urgência, sofrerão prejuízos e serão, em última instância, eliminados de sua posição empreendedorial. Outros empreendedores que tenham maior capacidade administrativa e que saibam melhor como servir aos consumidores substituirão estes que falharam.

O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos. Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros. Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção. Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.

Portanto, o que permite o surgimento do lucro é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito baixos. Consequentemente, os custos totais de produção — incluindo os juros pagos sobre o capital investido — serão menores que a receita total que o empreendedor irá receber pelo seu produto final. 

Esta diferença é o lucro empreendedorial.

Por outro lado, o empreendedor que estimar erroneamente os preços futuros dos bens e serviços irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito altos.  Seu custo total de produção excederá a receita total que ele irá receber pelo seu produto final.  Esta diferença é o prejuízo empreendedorial.

Assim, lucros e prejuízos são gerados pelo sucesso ou pelo fracasso de se ajustar as atividades produtivas de acordo com as mais urgentes demandas dos consumidores.  Tão logo este ajuste correto seja alcançado, lucros e prejuízos desaparecem. Os preços dos fatores de produção chegam a um nível em que os custos totais de produção coincidem com o preço do produto final. 

Lucros e prejuízos são fenômenos que só existem constantemente porque a economia está sempre em contínua mudança, o que faz com que recorrentemente surjam novas discrepâncias entre os preços dos fatores de produção e os preços dos bens e produtos por eles produzidos, e consequentemente haja a necessidade de novos ajustes.

Não há isso de “lucros excessivos”

Lucros nunca são um fenômeno normal e corriqueiro. Eles surgem onde há uma discrepância entre o uso atual dos fatores de produção e o uso possível destes fatores de modo a fazer com que o material e os recursos mentais disponíveis satisfaçam da melhor maneira possível os desejos do público. 

Lucros são a recompensa para aqueles empreendedores que descobrem esta discrepância; e eles desaparecem tão logo a discrepância seja totalmente removida. 

Quanto maior forem as discrepâncias antecedentes, maiores serão os lucros auferidos pela sua remoção. As discrepâncias podem muitas vezes ser consideradas excessivas.  Mas é inapropriado aplicar o epíteto “excessivo” aos lucros.

As pessoas dizem que há ‘lucros excessivos’ quando analisam os lucros auferidos pelo capital empregado no empreendimento, e mensuram o lucro como porcentagem deste capital. Porém, o que cria lucros e prejuízos não é o capital empregado. Ao contrário do que pensava Marx, o capital não “gera lucro”. Bens de capital são objetos sem vida que, por si sós, não realizam nada. Se eles forem utilizados de acordo com uma boa ideia, haverá lucros. Se eles forem utilizados de acordo com uma ideia equivocada, haverá prejuízos ou, na melhor das hipóteses, não haverá lucros. 

É a decisão empreendedorial o que cria tanto lucros quanto prejuízos. É dos atos mentais, da mente do empreendedor, que os lucros se originam, essencialmente. O lucro é um produto da mente, do sucesso de se saber antecipar o estado futuro do mercado. É um fenômeno espiritual e intelectual.

Condenar qualquer lucro como sendo ‘excessivo’ pode levar a situações tão absurdas quanto aplaudir uma empresa que, outrora muito lucrativa, passou a desperdiçar capital e a produzir ineficientemente a custos mais altos. Esta redução na eficiência e, consequentemente, nos lucros logrou apenas fazer com que os cidadãos fossem privados de todas as vantagens que poderiam usufruir caso os bens de capital desperdiçados por esta empresa fossem disponibilizados para a produção de outros produtos.

Ao repreender alguns lucros como sendo ‘excessivos’ e consequentemente penalizar empreendedores eficientes com uma elevação de impostos para “compensar” os altos lucros, a sociedade está prejudicando a si própria. Tributar lucros é o equivalente a tributar quem se mostrou bem-sucedido em servir ao público

O único objetivo de toda e qualquer atividade produtiva é empregar o menor número possível de fatores de produção de tal modo que eles produzam a maior quantidade possível de bens. Quanto menor a quantidade de insumos necessária para a produção de um bem, maior será a quantidade de fatores de produção — escassos por natureza — disponível para ser empregada na manufatura de outros bens. No entanto, e ironicamente, quanto mais um empreendedor se mostra bem-sucedido nesta difícil tarefa, mais ele é difamado e mais a sociedade exige que ele seja tributado mais rigorosamente. 

Aumentar os custos por unidade produzida — ou seja, aumentar o desperdício — passou a ser exaltado como uma virtude.

A mais espantosa manifestação desta total incapacidade de compreender o objetivo da produção e a natureza e a função dos lucros e prejuízos pode ser vista na popular superstição de que o lucro é apenas um valor adicionado aos custos de produção (fenômeno conhecido como markup), com seu valor dependendo exclusivamente do arbítrio do vendedor.  É exatamente esta crença que está por trás de todos os programas estatais de controle de preços ou de especificação de margens de lucros.

Todas as pessoas, empreendedoras e não-empreendedoras, olham com desconfiança para qualquer lucro auferido por terceiros. A inveja é um defeito e uma fraqueza comum aos homens. As pessoas são avessas a aceitar o fato de que elas próprias poderiam ter auferido estes lucros caso houvessem demonstrado a mesma iniciativa, a mesma presciência e o mesmo julgamento dos empreendedores bem-sucedidos. Seu ressentimento é tanto mais violento quanto mais elas estão subconscientemente cientes deste fato.

Não existiriam lucros se não houvesse um ímpeto do público em adquirir os bens e serviços oferecidos pelo empreendedor bem-sucedido. Porém, as mesmas pessoas que se esforçam para adquirir estes bens e serviços são aquelas que vilipendiam os empreendedores e dizem que seus lucros são abusivos e imerecidos.

A opinião pública tolera os lucros apenas se eles não excederem o salário pago a um empregado. Todo o excedente é caluniado como sendo injusto. O objetivo da tributação é, de acordo com o princípio de ‘tributar quem ganha mais’, exatamente o de confiscar este excedente. Não levam em conta que, sem lucros, não há investimentos futuros, não há expansão dos negócios e não há contração de mais mão-de-obra, o que levará a uma escassez de bens e serviços e, no final, a uma redução do padrão de vida de todos.

Uma das principais funções dos lucros é direcionar o controle do capital para aqueles que sabem como empregá-lo da melhor maneira possível para satisfazer o público.  Empreendedores que sofrem seguidos prejuízos vão à falência e, consequentemente, liberam capital e recursos para serem utilizados por empreendedores mais bem sucedidos. Já empreendedores que obtêm seguidos lucros se tornam mais capazes de obter capital e recursos de empreendedores menos eficientes, que estão desperdiçando estes recursos escassos.

Lucros e prejuízos são os instrumentos por meio dos quais os consumidores passam o controle das atividades produtivas para as mãos daqueles mais capacitados para servi-los. Qualquer medida que seja tomada para se restringir ou confiscar os lucros irá debilitar esta função de mercado que eles exercem. 

A máquina econômica se tornará, do ponto de vista do público consumidor, menos eficiente e menos ágil em suas respostas.

O invejoso homem mediano imagina que os lucros dos empreendedores são totalmente gastos em consumo próprio, de maneira hedonista. Uma parte, de fato, é consumida. Porém, só irão alcançar riqueza e influência no âmbito dos negócios aqueles empreendedores que consumirem apenas uma fração de suas receitas e reinvestirem a grande fatia restante em suas empresas.  O que faz com que pequenas empresas se tornem grandes não é o seu gasto, mas sim sua poupança e sua acumulação de capital.

Conclusão

Em um cenário de livre concorrência, a riqueza de empreendedores bem-sucedidos significa que os consumidores estão mais bem servidos do que estariam na ausência dos esforços empreendedoriais destas pessoas. O padrão de vida do cidadão comum é maior justamente naqueles países que possuem o maior número de empreendedores ricos. 

Países que possuem poucos empreendedores ricos possuem um maior número de miseráveis. É do total interesse material de todas as pessoas que o controle dos meios de produção esteja concentrado nas mãos daqueles indivíduos que sabem como utilizá-los da maneira mais eficiente possível.

Se a atual política de perseguir e confiscar a riqueza dos milionários houvesse sido implementada no início do século XX, tanto o crescimento das indústrias quanto a produção de bens de consumo de todos os tipos não teria ocorrido. Automóveis, aviões, geladeiras, telefones, rádios, televisores, aparelhos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos e centenas de outras inovações menos espetaculares mas ainda mais úteis não teriam se tornado corriqueiros no mundo atual.

O assalariado médio, o operário comum, acredita que para manter funcionando a atual estrutura de produção, para aprimorar e aumentar a produção, não é necessário mais do que a comparativamente simples rotina de trabalho atribuída a ele. Ele não percebe que o mero trabalho exaustivo e rotineiro não é o suficiente. Sua diligência e habilidade seriam qualidades totalmente vãs caso não houvesse um empreendedor presciente para direcioná-las para o seu mais importante objetivo e caso não houvesse capital acumulado pelos capitalistas para auxiliar nesta tarefa.

A pior ameaça para a prosperidade, para a civilização e para o bem-estar material dos assalariados é justamente a incapacidade de líderes sindicais, de sindicalistas em geral e das camadas menos inteligentes dos próprios trabalhadores de entender e apreciar o papel dos empreendedores e capitalistas na produção.

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Por Ludwig von Mises

Publicado anteriormente em: https://cutt.ly/rRSgr3S

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