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Mais um ícone se vai: a cabine telefônica britânica

Na década de 1990, eram mais de 100.000. Hoje, não passam de 20.000 e seu número diminui a olhos vistos. Estamos falando de um ícone britânico: as inconfundíveis cabines telefônicas vermelhas, tão inglesas como o Big Ben e o ônibus de dois andares. Ninguém, em tese, precisa mais de uma cabine telefônica (no Reino Unido, são chamadas de caixas – “telephone boxes”) em um mundo no qual todos têm um celular à mão para efetuar ligações – e, de quebra, ter uma infinidade de serviços que inexistem nas cabines.

O mesmo ocorre aqui no Brasil. Em 2011, por exemplo, tínhamos 68.000 orelhões na cidade de São Paulo; hoje, são apenas 40.000, que ficam abandonados a maior parte do tempo. Antes dos celulares, no entanto, a opção mais prática para telefonar era o aparelhinho vermelho. Por isso, era bastante comum ver uma fila nesses orelhões, com pessoas esperando pacientemente a hora de fazer sua chamada.

Antes da privatização, a malha telefônica era caótica na maioria das cidades. Em São Paulo, uma linha telefônica custava uma fortuna e o sistema era uma tragédia. Linhas cruzadas, por exemplo, eram uma constante na vida dos usuários, dependendo do bairro em que morassem. Por isso, muitas empresas não tinham recursos para montar um PABX decente.

Quando trabalhei na Gazeta Mercantil, nos anos 1980, não havia linhas suficientes para toda a redação. Assim, quando tirávamos o aparelho telefônico do gancho, era comum que estivesse mudo. O jornal ficava no centro da cidade, perto de um posto da Telesp, que oferecia vários telefones públicos no andar de cima da loja. Em uma determinada tarde, com inúmeras chamadas para fazer, resolvi comprar várias fichas telefônicas e dar um pulo na Telesp. Quando cheguei, fiquei surpreso: dois colegas da Gazeta já estavam lá, com seus bloquinhos de anotação e fazendo entrevistas pelo telefone, como eu tencionava fazer.

É dessa época que surgiu a expressão “caiu a ficha”, para designar aquele momento em que uma pessoa repentinamente entende alguma coisa. É que o usuário do orelhão colocava a ficha no telefone, mas ela ficava parada no início do orifício, sendo apenas “engolida” quando alguém, do outro lado da linha, atendesse a ligação. Somente então é que a “ficha caía”.

Voltando às cabines britânicas. Elas estão sendo retiradas aos poucos e não serão repostas. Mas essas caixas, projetadas pelo arquiteto Giles Gilbert Scott, o mesmo da usina elétrica Battersea, à beira do rio Tâmisa (lembra da capa do disco “Animals”, do Pink Floyd? É aquela construção), podem ser consideradas uma instituição britânica.

Trata-se do final de uma era. Aos poucos, o mundo vai deixando os símbolos analógicos para trás e abraçando uma era na qual tudo é portátil e virtual. Curiosamente, quase tudo neste novo universo pode ser compartilhado: carros, assinaturas de softwares e até imóveis. Apenas uma coisa passa ao largo dessa tendência: os aparelhos celulares.

Vivemos uma ironia suprema: justamente aquilo que deflagrou a era do compartilhamento é mantido como propriedade privada, protegido por sistemas de senhas ou reconhecimento facial e abrigando os segredos mais íntimos, dos financeiros aos pessoais. Na época em que as pessoas dividem entre si muitas coisas, as cabines telefônicas – um símbolo de compartilhamento por definição – estão sumindo por conta do uso disseminado de celulares, que são os maiores símbolos de uso individual de nossos tempos.

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