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Uma reflexão sobre a raiva dos militantes: será que passa de pai para filho?

A repórter da CNN, Carla Bridi, deu, através de sua conta no Twitter, um depoimento impressionante. Escalada para cobrir as declarações do presidente Jair Bolsonaro no famigerado cercadinho do Alvorada na manhã de domingo, ela diz ter sido impedida de seguir o comboio presidencial e afirma ter visto um segurança sacar um revólver para intimidar a ação dos jornalistas. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, porém, soltou uma nota desmentindo a jornalista: “A versão publicada pela repórter distorce o fato ocorrido e carece de credibilidade”. Mas o episódio, embora estarrecedor, não representou o final deste show de horrores, que conseguiu ficar ainda pior.

Um militante começou a chamar os profissionais de imprensa de “vagabundos”, “bandidos” e outras palavras de baixo calão. Detalhe: ele estava acompanhado da filha, uma menina aparentando oito anos de idade. O desabafo da repórter da CNN é sintomático: “Que tipo de educação [este homem] vai passar para essa menina, só Deus sabe”.

Como diz o escritor britânico Malcolm Gladwell, autor de inúmeros best-sellers, “nós aprendemos por exemplo e pela experiência porque há limites para a eficácia da instrução verbal”. Ou seja, prestamos atenção no comportamento daquelas pessoas que admiramos e com as quais convivemos – como pais e mães – e temos uma tendência a assimilar esse tipo de atitude ao longo do tempo.

Evidentemente, há inúmeros casos em que as crianças rejeitam o comportamento paterno e criam um padrão próprio ou moldado em outros exemplos. Mas é inegável que os genitores são parâmetros importantes para aqueles que estão em desenvolvimento.

Diante disso, o que essa menina irá aprender com alguém que explode em impropérios junto aos jornalistas? O exemplo de conduta como este pode gerar mais raiva generalizada, que passa de geração em geração.

Este ódio aos jornalistas, curiosamente, tem suas raízes na esquerda. Durante a ditadura militar, era comum ver em determinadas manifestações grupos organizados puxarem um tipo de palavra de ordem que ficou famoso na época: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Naquele momento histórico, se conectava a emissora da família Marinho aos militares que comandavam o país com mão de ferro. Hoje, os movimentos de direita fazem o caminho oposto, alinhando esta rede televisiva ao esquerdismo, que procuraria apear Jair Bolsonaro do poder.

Voltando ao militante que xingou os jornalistas, tendo a filha como testemunha: hoje, as pessoas não têm autocontrole. Perdem a cabeça por motivos que, anos atrás, nem fariam cosquinha em nervos exaltados. O fato é que os militantes, tanto de esquerda como de direita (para usar a definição clássica de espectro ideológico), se inflamam por muito pouco.

No fundo, é como se o tema de uma determinada discussão servisse para extravasar todas as frustrações do passado. Na direita, há uma raiva de ter engolido uma administração petista de 14 anos, muitos dos quais vividos com alta dose de aprovação popular. Neste período, como se constatou durante o Mensalão e o Petrolão, houve inúmeros processos de corrupção que indignaram milhões de brasileiros. Essa indignação atingiu cidadãos de todas as matizes ideológicas, mas enraizou-se sobremaneira entre os que não estavam à esquerda.

Na esquerda, há também rancor represado. Os petistas acreditam na inocência de Luiz Inácio Lula da Silva e igualmente consideram o impeachment de Dilma Rousseff injusto. Além disso, reagem com violência às manifestações dos conservadores no terreno do comportamento. Some-se tudo e teremos a matéria-prima necessária para reações explosivas diante de qualquer debate.

Muitas crianças são criadas neste ambiente agressivo, assistindo amizades rompidas e relações familiares destroçadas por conta de discussões políticas. Que valores esses meninos e essas meninas terão ao crescer? Que mensagem vamos passar a essa geração? Que, em nome da política, vale tudo? Que devemos abraçar a agressividade para defender nossa ideologia? Que a civilidade nada importa para termos razão?

Um âmbito intolerante faz mal aos adultos, mas é devastador para as crianças. É neste panorama que os jovens estão crescendo, sob o signo da hostilidade e da cólera, que se multiplicam no mundo real e no digital. Para piorar tudo, os infantes durante a pandemia são privados da convivência física dos amigos e das amigas, o que torna o cotidiano cada vez mais penoso e desafiador. Como na música do cantor e compositor Silvio Brito, dá vontade de gritar “pare o mundo que eu quero descer”. Se não quisermos diminuir a intolerância para um patamar razoável por nossa causa, vamos fazê-lo em nome dessa nova geração, que não merece conviver com insultos, ofensas e injúrias como se fosse algo natural.

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