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Terrivelmente evangélico – e muito, muito pragmático

Meses atrás, o presidente Jair Bolsonaro especulava em voz alta o que poderia acontecer se ele indicasse ao Supremo Tribunal Federal um ministro “terrivelmente evangélico”. A frase, que agradou o eleitorado pentecostal do mandatário, ficou parada no ar quando Kassio Nunes assumiu a primeira vaga que Bolsonaro preencheu no STF. Meses depois, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, a promessa foi cumprida e André Mendonça, naquela época atuando como Advogado-Geral da União, foi indicado.

Quis o senador Davi Alcolumbre, no entanto, que a sabatina de Mendonça ficasse engavetada durante quatro meses. Ontem, finalmente, o ex-ministro foi questionado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Evidentemente, todos queriam saber se a religião, como insinuara Bolsonaro, teria um papel preponderante em sua atuação.

Mendonça foi direto ao assunto.

“Me comprometo com o estado laico. Considerando discussões havidas em função da minha condição religiosa, faço importante ressaltar minha defesa do estado laico. A igreja presbiteriana da qual pertenço, uma das diversas igrejas evangélicas de nosso país, nasceu no contexto da Reforma protestante tendo como uma de suas marcas justamente a defesa da separação entre igreja e estado”, disse o candidato ao STF. “Na vida, a Bíblia; no Supremo, a lei”.

Mendonça disse aos senadores o que eles desejavam escutar – e não poderia ser diferente. A Constituição deveria ser clara e apresentar um conteúdo sem margem a interpretações. Na prática, porém, não é o que ocorre. Muitas vezes, assim, os ministros do Supremo aparecem com duas ou mais conclusões sobre o texto da Magna Carta. Do ponto de vista religioso, contudo, nunca tivemos uma discussão no plenário ou se evocou algum aspecto de fé para embasar disputas legais. Os juízes, certamente, têm suas crenças em relação à Religião. Mas nunca enveredam por esse caminho. Introduzir um arcabouço de argumentos religiosos em um ambiente legal iria, sem dúvida, criar conflitos e discórdia.

O mote da campanha de Bolsonaro, em 2018, foi “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Se levarmos o slogan ao pé da letra, especialmente com a declaração do presidente sobre o desejo de encontrar um ministro “terrivelmente evangélico”, chegaremos à hipótese de que o candidato de Bolsonaro levaria em consideração os preceitos religiosos em seus julgamentos.

Entretanto, o que se viu durante o depoimento foi alguém pragmático o suficiente para minimizar seu lado espiritual. Um exemplo disso foi sua opinião sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo. “O casamento civil, eu tenho minha concepção de fé específica. Como magistrado da Suprema Corte, isso tem que estar abstraído, tenho que me pautar pela Constituição. Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil de pessoas do mesmo sexo”, afirmou Mendonça.

Como se sabe, a Bíblia, em diversas passagens (como no Pentateuco e no chamado Livro de Paulo), condena veementemente o homossexualismo masculino. Ou seja, neste aspecto, Mendonça parece ter optado pela interpretação laica da lei e da Constituição – embora o uso do verbo “defender” tenha soado estranho a muitos que estavam na Comissão.

Quando indicou o nome de seu ministro para a Alta Corte, Bolsonaro afirmou que Mendonça havia se comprometido a promover semanalmente uma oração em sessão de trabalho. Apesar disso, disse aos senadores o seguinte: “Entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal”.

Mendonça derrapou quando afirmou não ter acionado a Lei de Segurança Nacional para investigar críticos do presidente Bolsonaro – algo difícil de sustentar (a PF contabiliza 85 investigações com base na LSN durante a atual administração, dos quais 8 foram apenas em 2021). Os senadores, todavia, não quiseram esticar essa corda.

Oura escorregada foi quando se manifestou sobre a democracia. “A democracia é uma conquista da humanidade. Para nós, não, mas, em muitos países, ela foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas”, disse Mendonça. Os senadores chamaram sua atenção para lembrar que, durante a ditadura militar, pessoas tinham morrido nos DOI-CODIs da vida – muitas delas em defesa da democracia.  Ele, então, voltou atrás. “O meu pedido de desculpas por uma fala que pode ter sido mal interpretada e que não condiz com aquilo que eu penso. Vidas se perderam na luta para a construção da nossa democracia. Além do meu pedido de desculpas, o meu registro do mais profundo respeito e lamento pela perda dessas vidas. Faço meu registro do meu respeito à memória dessas vidas e dessas pessoas. E faço também um registro de solidariedade e de respeito as famílias dessas vítimas”, consertou.

Com o depoimento, Mendonça pavimentou o caminho e foi confirmado por 47 votos a 32, até porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia se comprometido com líderes evangélicos a não causar empecilhos para a nomeação.

Mas algumas dúvidas ainda cercam o seu futuro. Ele manterá essa persona equilibrada e laica quando sentado em uma das 11 cadeiras do STF? Por que, durante o questionamento, fez questão de diminuir seu lado religioso e, escolhido pela Câmara Alta, exaltou-o? Outra pergunta: conseguirá se manter independente do presidente da República, como deu a entender durante a sabatina?

As respostas a essas perguntas surgirão logo na primeira semana em que Mendonça vestir a sua toga. Aguardemos.

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