Um artigo recente do jornal inglês “Financial Times” mostra que até os grandes templos da gastronomia mundial estão se curvando aos novos hábitos ditados pelo uso contínuo de medicamentos como Ozempic e Mounjaro, que reduzem significativamente o apetite de seus usuários.
O Fat Duck, um dos oito restaurantes britânicos agraciados com três estrelas do Guia Michelin, é um deles. Ele abriga 14 mesas, com disponibilidade para 42 felizardos por refeição, fica a cerca de 40 minutos de Londres e é comandado pelo renomado chef Heston Blumenthal.
O FT escreveu o seguinte no artigo “Os medicamentos para perda de peso estão acabando com o almoço de negócios?”: “Os donos de restaurantes estão notando mudanças — como menos pedidos de entradas e sobremesas e mais pratos comedidos — que eles acreditam ser, pelo menos em parte, impulsionadas pelo aumento do uso de medicamentos para emagrecer”.
Os autores, Daniel Thomas e Emma Jacobs, vão em frente e citam o estabelecimento britânico estrelado: “Alguns lugares já introduziram porções menores. O Fat Duck, de Heston Blumenthal, por exemplo, introduziu um menu “Experiência Consciente”, reduzindo as porções e o preço de seu menu degustação exclusivo. ‘Eu sentia há algum tempo que o cenário gastronômico estava mudando gradualmente e as pessoas estavam abordando a alimentação de uma nova maneira — buscando se sentir satisfeitas em vez de se sentirem cheias’, diz Blumenthal. ‘Acredito que o rápido aumento do uso de medicamentos para emagrecer só vai acelerar esse processo’.”
Outro dia, em uma confraternização de turma grande de amigos, conferi que quatro em cada seis comensais estava usando Mounjaro – e os resultados eram visíveis. Ao final do convescote, diga-se, conta veio bem mais baixa que a da reunião anterior. Até porque os usuários desses medicamentos não apenas comem menos, mas também reduzem significativamente o consumo de álcool. Isso pode ser um problema sério para os restaurantes, que têm nas bebidas alcoólicas um importante item de faturamento.
Segundo estimativas da KPMG, o mercado americano de alimentos e bebidas pode encolher em US$ 48 bilhões até 2034 com o uso de Ozempic e Mounjaro (ou de seus herdeiros). Dados da Numerator — empresa especializada em inteligência de consumo e análise de comportamento de compra — mostram que famílias com usuários destas substâncias têm um gasto entre 6% e 9% menor com comida em relação a lares sem usuários. Já um estudo da Universidade de Cornell aponta que usuários de Ozempic consomem, em média, 21% menos alimentos que o público em geral.
Enquanto essas injeções de emagrecimento continuarem custando caro, a obesidade será uma questão socioeconômica. Daqui para frente, só será gordo quem quiser ou não tiver dinheiro para desembolsar de R$ 1.700 a R$ 1.900 na compra de uma caixa com o tratamento mensal, composta por quatro injeções contendo 2,5 mg de tirzepatida.
Se o paladar está sendo reprogramado pela biotecnologia, o mercado que sempre viveu da indulgência terá que reaprender a seduzir quem já não sente tanta fome. O que iremos ver no futuro não será apenas um desfile de corpos mais esbeltos. Um novo modelo de consumo está surgindo e os excessos deverão sair de cena.
Como a lógica do capitalismo é a de baratear os produtos, é de se esperar que essas injeções, em algum momento, terão preços ao alcance de todos. Quando isso acontecer, todo o mercado de alimentação – bares, restaurantes e supermercados – terá de repensar o modelo de negócio. Ou os produtos que são oferecidos aos clientes.
E é justamente aí que mora a ironia: enquanto o governo bate na tecla da insegurança alimentar, alertando sobre milhões de pessoas que não têm o que comer, o mercado global se prepara para lidar com uma geração que simplesmente… não quer comer. Não por falta de acesso, mas por falta de apetite, induzido por injeções de última geração.
O paradoxo é gritante. De um lado, campanhas públicas exaltam políticas de combate à fome; do outro, a indústria alimentícia se vê obrigada a reduzir porções e reinventar cardápios porque uma parte dos clientes, agora magros e medicados, pouco toca na comida. É como se o mundo estivesse dividido entre os que lutam para encher o prato e os que pagam caro para deixá-lo quase intacto.
É um mundo, definitivamente, difícil de compreender.
