Tinha sete anos de idade no dia 21 de junho de 1970. Como hoje, era um domingo e fazia sol. Estava eufórico: o Brasil tinha conquistado a Copa do Mundo pela terceira vez, com um verdadeiro baile em cima da Itália. Os 4 x 1 lavaram a minha alma infantil e colei todos os pôsteres que tinha da seleção brasileira (eram vários) no carro do meu pai. O convenci a dar uma volta no quarteirão daquele jeito e, durante o trajeto, gritei “Brasil!” incontáveis vezes. Quando encostamos o carro na garagem, percebi que todos os vizinhos estavam na rua, comemorando. Morávamos na Avenida Campinas, numa casa que foi derrubada para dar lugar a um prédio. A rua ainda era de paralelepípedos e um grupo estava bem no meio dela, arriscando uma batucada. São lembranças felizes, apesar do período turbulento pelo qual o país passava no cenário político.
Hoje, os três grandes jornais brasileiros amanheceram com capas comemorativas, todas patrocinadas pela Confederação Brasileira de Futebol. São reedições das primeiras páginas de 50 anos atrás, com manchetes dedicadas à conquista do tricampeonato de futebol. De quebra, a CBF publicou um pôster com todos os jogadores e a comissão técnica. Me toquei, então, que há alguns craques da reserva que apaguei completamente da memória: não há registro, em meu cérebro, de Joel Camargo e Roberto Miranda. Mas a foto não mente e os dois estão lá. Mas, não tem problema. O Google vai me ajudar a descobrir quem eram esses craques.
Essa não foi a única coisa que percebi ao examinar o pôster comemorativo da entidade que rege o esporte bretão no Brasil. Cheguei igualmente à conclusão de que existem muitas coisas no Brasil que permanecem iguais desde 1970. Assim como a seleção de Pelé, Tostão, Jairzinho e Rivellino, são problemas que estão comemorando aniversário.
A lista começa pela politicagem e o amadorismo que reina no futebol profissional do Brasil. Naquele início de década, clubes brasileiros e europeus funcionavam mais ou menos da mesma maneira. Hoje, com raríssimas exceções, a administração dos times nacionais são uma grande ação entre amigos, enquanto as equipes europeias, por exemplo, são máquinas profissionais de marketing que faturam cifras estratosféricas.
O futebol brasileiro, neste meio século, se decolou totalmente do europeu. Aconteceu no esporte mais ou menos o ocorrido entre Brasil e Estados Unidos no século 19. Nas primeiras décadas dos anos 1800, os dois países tinham rendas per capita muito semelhantes, como aponta o escritor Jorge Caldeira no livro “A História da Riqueza no Brasil”. No decorrer daquele século, no entanto, houve um investimento maciço em ferrovias, construção civil e na indústria. A porção oeste do país foi povoada, impulsionando o agronegócio e criando centros urbanos. O resultado desta expansão foi sentido em poucos anos: a renda per capita do norte-americano, em 1900, era cinco vezes maior que a do brasileiro.
No campo da política, vivíamos um período em que o país, presidido pelo general Emilio Garrastazu Médici, estava sob a vigência do AI-5, que suspendeu habeas corpus, deu ao Executivo poderes para fechar o Congresso e a censura prévia de músicas, filmes e programas de TV. Trata-se de uma página negra para a democracia e para os direitos individuais dos cidadãos.
Mesmo assim, cinquenta anos de pois, vemos meia-dúzia de malucos marcharem por aí com cartazes que pedem uma intervenção militar, pedindo ações típicas de um regime de exceção. Curiosamente, muitos deles nem eram nascidos quando o governo militar se encerrou, com a eleição indireta da chapa Tancredo Neves – José Sarney em janeiro de 1985.
Na economia, no ano daquela Copa do Mundo, também vivíamos uma disputa entre liberais e keynesianos no governo. Os liberais, após 1964, saíram na frente e Roberto Campos assumiu as rédeas da economia. Imprimiu uma receita de contenção de gastos e de política monetária restritiva. O objetivo era baixar a inflação, que atingira patamares altos com o deposto João Goulart. A estratégia deu resultado, mas a popularidade de Campos e do então presidente, Humberto Castello Branco, desabou. O general Artur da Costa e Silva, visto pelos empresários como alguém que afrouxaria a receita ortodoxa, assumiu o poder e convocou Delfim Netto para assumir a economia. Estaria dada a largada para uma intervenção cada vez maior do Estado na economia, que se acentuaria no governo de Ernesto Geisel, com início em 1974. Ou seja, a discussão sobre o uso do poder estatal para alavancar a economia existia desde aquela época e, pelo jeito, vai continuar por décadas.
Não se pode, contudo, acreditar que tudo está como antes. Os índices de pobreza, que atingiam 40 % da população brasileira, mostram isso: hoje, se restringem a 14 % dos cidadãos. Ainda há, obviamente, caminho para melhorar. Mas é inevitável perceber que o país aprimorou este quesito, apensar de ter mais que dobrado de população. O analfabetismo é outro indicador de que houve avanço. Em 1970, 33 % não sabiam ler ou escrever. Em 2020, os analfabetos são 7 % da população.
O país não passará para o clube dos mais ricos enquanto não houver um apreço maior pela democracia, além de um diminuição significativa do tamanho do Estado, que sufoca os empresários com taxas e impostos exorbitantes, além de regras que interferem de forma trágica no funcionamento da iniciativa privada. Boa parte do custo trabalhista – contribuições de FGTS e da previdência – teve sua gênese no governo que viveu o auge em 1970. É outro fator que encarece nossos custos de produção e tiram a competitividade brasileira no mercado internacional. Por fim, o país precisa de estabilidade nas áreas política e jurídica – dois mundos que deveriam agir separadamente e de forma independente. Porém, são poderes que cada vez mais colidem, criam interferência recíproca e se cutucam. É preciso maturidade e hombridade dos dois lados dessa equação, para baixar as armas e procurar o entendimento. Só assim é que haverá tranquilidade para planejar o futuro, atrair capital estrangeiro e efetuar investimentos. Caso contrário, vamos gerenciar eternamente o dia a dia e continuar girando nossas rodas em falso.